O vagabundo (Crônicas de uma epidemia #49)


 Marcus Vinicius Batista


Conheci um vagabundo essa semana. Vagabundo profissional, dos bons mesmo, preparado, treinado e estudado nas artes da vadiagem. Tem até título de pós-graduação em fuleragem. Um mestre diplomado na ciência do fazer nada.

Este vagabundo é versado em tecnologia. Ou melhor, engana no nível do necessário. Ele não fica perambulando por aí sem motivo. Pode ser vadio, mas não é besta. Pra que sair na rua e correr risco de ficar doente? Para que sair na rua sem dinheiro na carteira? Capaz de fazer dívida e aí virar gente séria. Ele não rouba nem faz.

O vagabundo que conheci fica na Internet. São horas por dia conectado. Horas papeando, navegando sem bússola, jogando conversa fora sobre assuntos que gente de tradição nunca se interessaria. Esse papo furado só terá efeito nos outros daqui anos, se é que os outros vão adoecer com a influência dele. Ou pensar sobre ele.

Ele me confessou que sabe a verdade: muitos fingem escutá-lo. Que fingem dar valor, pois pega mal falar mal de vagabundos. Vagabundos são assim. Crentes no ócio, fãs da inércia. São fracassados, costumam pregar alguns, que rezam para que eles sejam pregados em cruzes. Ironicamente, tem gente que finge não ter dito que os vadios eram perdedores depois de se tornar também um vagabundo. É aquela turma que precisa parecer trabalhadora para vender a imagem de férias eternas.

O vagabundo está sempre cansado. Ele reclama porque é preguiçoso. Ele se dedica a coçar o saco e passar pomada, brincou outro vagabundo mais tarimbado na enrolação diária. A vadiagem, de fato, esgota em certo momento. Nascemos para sermos produtivos. Trabalhar até morrer ou de morrer de trabalhar?, essa é a pergunta que se deve fazer sempre, antes de continuar na labuta. O vagabundo é um rebelde sem causa, que não contribui em nada para o crescimento da sociedade, repetem como orações os oradores de promessas bem vagabundas, mas caras feito lugarzinho no céu.

O vadio que conheci sabe enganar mais do que os gatos daqui de casa. Ele, quando não papeia, lê. Você acredita? Lê!!! O maldito lê livros, reportagens, textos de estudantes, crônicas, poesias. Ele é esperto, sabe? Quando é cobrado pela ausência de resultados, de não cumprir metas, de não ter objetivos concretos na vida ou de não querer – basta querer no mundo de hoje -, o sujeitinho muda de tipo de texto. Ele alega que está renovando o repertório, atendendo pessoas, enriquecendo o vocabulário, organizando os pensamentos, tudo no gerúndio para cometer o estelionato da continuidade intelectual e do tempo verbal, mas sem parecer telemarketing.

A petulância do vagabundo é tamanha que ele ainda se dá o direito de pensar. Você leu...”organizando os pensamentos”. Quer desculpa mais esfarrapada para não fazer coisa alguma? O vagabundo é presunçoso em tempos de tudo ou nada. Ele duvida, questiona, pondera, avalia, convence, tudo o que não deveria acontecer. Se o vagabundo não executa tarefas, não bastaria ser passivo também? Ainda atrapalha os outros, que desejam o mais do mesmo, o conforto da inércia.

O vagabundo de carteirinha e carteira assinada entrou em férias. É...para as dores dos jornalistas que o chamam de vagabundo enquanto só pensam na polêmica oca, irresponsável para ganhar uma audiência rasteira. E não produzem nada enquanto clamam pela produção escrava dos tão paupérrimos quanto eles. Os vagabundos?

O vagabundo-professor saiu discretamente. Como devem ser os professores...e os vagabundos.

Comentários