Promessas e listas (Crônicas de uma epidemia # 33)



Marcus Vinicius Batista

Em tempos de negacionismo, terraplanismo e outros delírios coletivos, promessas e listas de final soam como conto de Papai Noel. São inofensivas, previsíveis, peças de entretenimento, porém não há maior mentira deslavada – e consciente – de que fazer promessas e listas para o próximo ano.

Elas são primas das listas de amigo secreto (ou amigo oculto). Servem para divertir, não deveriam ser sérias, funcionam como adereço na confraternização de final de ano. Se encaradas como dogmas, como tábuas de salvação ou resgate da alma, do bolso, do corpo ideal, elas tendem a prolongar o ano de 2020 no seu efeito decepção.

Promessas de final de ano são piores do que promessas de campanha eleitoral. Costumam ser mais espalhafatosas, mais próximas da ficção científica, de um futuro tão tão distante. Não beneficiam sequer o autor da promessa, que – em vez do político – vai se torturar com o fracasso. O político, quando promete, tem ciência da inutilidade das palavras. Na promessa de final de ano, o crente é exatamente isso: um esperançoso porque crê, mesmo que idolatre um pensamento mágico.

A lista, como documentação da promessa, não tem valor legal. Não engana nem criança, que dá mais valor para a carta de Natal. Também não adianta registrar em cartório com firma reconhecida. O autor está fadado a reproduzir o constrangimento daqueles candidatos que foram ao cartório e depois negaram – na cara-de-pau – que disseram, escreveram ou gravaram quaisquer mensagens. Guarde a lista na cabeça; assim, pode negar a existência dela ou fraudar seu conteúdo, de acordo com os resultados obtidos.

Diante de 2020, com diversas pontas soltas, a sensatez indica não se preocupar com resultados ou metas. Talvez seja melhor que Iemanjá as leve embora. Promessas e listas ficam mais palpáveis no palavrório dos gurus corporativos. Pertencem ao cardápio da ilusão. No “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, é mais confortável observar de distância segura e acenar com sorrisos. Se quiser levar a fundo, aproveite e reverta o discurso: se algo der certo ou funcionar, você quem desejou, não o guru que recomendou.

Não adianta pular sete ondas e depositar flores no Atlântico. Com a praia lotada, você pode receber de volta o Covid que tanto finge recusar. Finge porque qualquer um com passagem por este planeta sabe dos riscos em aglomerações, ainda mais no réveillon. Também não adianta guardar romã na carteira, comer lentilha ou vestir branco.

Crer no místico, no além, no transcendente, nas superstições, como você queira chamar, representa uma terceirização do que você precisa fazer. Essa barganha, sejamos francos, é desleal. Uma das partes – quase sempre você! – não precisa se mexer. O ônus pertence ao abstrato.

Se me permite uma sugestão, mantenha uma promessa para o próximo ano. E essa promessa seria o único item da sua lista. Lembro-me, neste caso, de um tio octogenário. Um sujeito íntegro, que alcançou o topo na vida e poderia se banhar de arrogância. Ciente da sua humanidade e, portanto, de como pode ser falho, ele disse em tempos recentes num arroubo de franqueza: “Só quero ser alguém melhor.”

A frase pode até ser clichê, mas – numa época de negacionismo e delírios coletivos – nada melhor do que voltar ao básico. E com outra vantagem: “ser melhor” pode ganhar inúmeros sentidos. Depende de nós.

Obs.: Texto publicado na AT Revista (A Tribuna), em 3 de janeiro de 2021.

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