Carta ao padre

 

Marcus Vinicius Batista

Caro Cláudio,

Recebo notícias suas todos os dias. Elas chegam por colegas da Universidade Católica de Santos. Devoro as mensagens como quem espera pelo carteiro em frente de casa, o portador das “boas novas”.

É coerente que a mensagem parta da universidade. Lá é uma de suas casas – minha também desde 1992. Foi lá que nos conhecemos há cerca de 15 anos. Lembra-se? Era um sábado de fevereiro, pouco depois das 7h30. A precisão da memória é fraude. Sei disso porque era o horário da aula, no segundo ano do curso de Jornalismo. A disciplina: Ética.

Você me esperava na porta da sala, no quarto andar do antigo prédio da universidade, na Pompéia. Trocamos algumas palavras e entrei na sala. Alguns segundos depois, você se sentou em uma carteiras.

“Padre, você vai assistir à minha aula?”

“Claro, não é Ética em Jornalismo? Sou seu aluno!”

A pergunta “tá de sacanagem?” veio na garganta. Fiquei apavorado com a ideia de um padre assistir à minha aula, pelo fato de que há um parte filosófica no início do curso, depois entramos no ofício de jornalista. Só consegui ser direto contigo. Não fui grosseiro. Direto.

“Padre Cláudio, não tenho nada para te ensinar. É Ética!”

“Marcão, não é Jornalismo? Vim aqui para aprender Jornalismo com você!”

Você se habituou a me dar sustos na construção da nossa amizade. O segundo foi quando me pediu para avaliar seu Trabalho de Conclusão de Curso. Era jogo ganho, eu sei, mas - quando se respeita alguém - a cautela é um vizinho que agarra nossas mãos.

Anos depois, o inesperado veio em formato de reconhecimento. Passamos a trabalhar numa mesma disciplina, aquela, sabe? Ética. Como dupla de zagueiros ou de cantores sertanejos (apenas para cutucar-te), jogamos com entrosamento. Resolvemos as aulas com o olhar, sabemos o que o outro pode fazer, seja complementando conhecimento, seja casando reflexões políticas sobre o cenário brasileiro.

Confesso que me divirto com os sustos que me prega. Transformo em causos para amigos em comum, em crônicas na Internet ou em cartas como esta. No ano passado, quando resolveu falar de mim durante o casamento de uma prima da minha esposa. Ou em duas colações de grau neste ano, com 24 horas de diferença. Eu como aluno num dia e como professor, no outro. Escaldado, sabia que você quebraria o protocolo e me pediria para falar. Dei conta por uns 10 segundos até embargar a voz. Você só sorria.

Acompanhar, ainda que à distância, sua batalha pessoal contra o vírus, há cerca de um mês no hospital, é um susto sem precedentes. Mas ler e ouvir sobre cada degrau que você percorre no retorno ao nosso convívio traz um alívio indescritível. O alívio com cara de esperança e roupas de resignação, que anestesia um caldeirão de emoções, marcadas pela impotência de não poder te arrancar de onde está hoje. Faço o que me cabe (e a muitos outros que te admiram): pedir um empurrãozinho de Quem mais se acredita na vida.

Saudades de você, meu amigo. Espero encontrá-lo em breve para ouvir a mentira que sempre conta sobre mim: “Olha aí um Santo Homem!”

Obs.: Texto publicado, originalmente, na AT Revista (Jornal A Tribuna), em 11 de outubro de 2020. 


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