À minha mãe e ao meu pai


Roberto e Dona Alice

Roberto Rodrigues

Oito de outubro de 2020. Hoje o dia nasceu chuvoso. Quente, mas úmido. As manhãs chuvosas têm sua beleza. O jardim diante de casa parece mais verde. As flores se destacam mais. Apesar do tempo, os passarinhos não deixaram de cantar. As pessoas saíram de casa para trabalhar. Há na rua um fluxo incessante. Impressiona o vaivém da vida que cria necessidades que muitos precisam atender.

Nesse mesmo dia, há 68 anos, nasci. Nem tenho ideia de como era Santos no longínquo 1952. Mas sei da alegria de uma mulher e de um homem que muito me deram enquanto aqui viveram.

Ah, dona Alice, ah, seu Antônio, que saudades! Saudades dos tempos em que estiveram ao meu lado e tudo fizeram para melhorar meus dias. Amo muito e serei sempre um eterno devedor pelos sacrifícios que fizeram para me criar e minhas irmãs.

Mãe, pai! Fazem muita falta. Acho que todos os pais fazem. Eu tive a felicidade de contar com vocês em toda a minha infância, na juventude e em boa parte da maturidade. Sei que foi um privilégio que recebi de Deus. Muitas crianças não contam ou contaram com mãos tão prestimosas durante a infância. Há aqueles que são órfãos desde as primeiras horas, por morte dos pais ou por abandono.

Não tenho do que me queixar, porque tive uma infância feliz. Morávamos em uma casinha simples, mas um ninho de amor. Reflexo da luz que emitiam porque sei que se amavam tanto, e isso era transmitido para nós e para as demais pessoas.

As dificuldades foram uma escola e sei que, perante elas, não fui um aluno exemplar. Demorei a entender o sentido da existência e, por conta disso, nem sempre dei a vocês a atenção que mereciam. A gente sempre acha que os pais vão durar para sempre e dá tempo para corrigir tudo. Aí, num dia qualquer, às vezes sem aviso algum, há um chamado superior e partem. 

Amá-los, sempre amei. Talvez de um modo egoísta, mas amei e agora amo muito mais, porque é na ausência e na perda que sentimos o real valor do tesouro que tivemos. Tesouro que, na verdade, não perdemos jamais. O amor de antes é o mesmo hoje. Só que mais maduro e isso nos faz sentir ainda mais a ausência.

Ah, mãe! Olho as poucas fotografias que restaram... Como você era linda, tão afável e sublime! E você, pai, nem encontro meios para mensurar tua importância. Vossa presença é tão marcante em minha vida. São – se é que seja possível dar exemplos – a chuva que lava o solo e dessedenta as plantas e o sol que fecunda e faz abrir as flores e dá o calor que alimenta nossas almas. 

Foram os primeiros professores nesta escola bendita que é a vida. Vocês me abriram a porta para o aprendizado maior, aquele que está acima das importâncias deste mundo tão relativo. Espero sair daqui melhor que cheguei. Não posso desperdiçar a oportunidade que me deram e que só quem ama muito oferece a alguém.

Sei que sabem que não tenho tantos amigos hoje quanto tive em criança, quando os tempos eram mais amenos e pouco exigentes. As desavenças e as contendas que aconteciam eram esquecidas na próxima brincadeira ou durante os folguedos sem que fosse preciso dizer qualquer palavra. Às vezes, até falávamos: “Estou de mal com você” e trançavam-se os dedos, logo o mindinho, para mostrar que não tinha importância assim. Valia até o próximo jogo de botão, o gol na pelada ou, simplesmente, o aperto da saudade e tudo voltava ao normal.  

Vossa presença era um peso considerável em favor das amizades que agora não são tantas como antes, mas, entre as que se conservam ao meu redor, valem mais do que as estrelas possíveis de serem contadas no céu.

Sou um sujeito afortunado em todos os sentidos pela experiência que a vida está me proporcionando. Algumas bem amargas. É a colheita do que foi plantado algures em tempos que não sei dizer. Oportunidade rara para o desenvolvimento de algo mais profundo que a existência me proporciona. Na vida adulta, há dor, há o desalento, mas há igualmente a superação. A alegria vem disso, das expectativas do que está por vir.

Não canso de repetir: obrigado mãe, obrigado pai, por me abrirem essa porta. Sou grato porque tenho muito mais do que mereço. Tudo o que há faz parte de minha caminhada em direção ao infinito, ao amor, à maturidade que chega devagar, em pequenas gotas. Tão mansamente como as ondas do mar durante as calmarias.

Não se trata de vã aspiração. Já começo a sentir a razão e o sentido da vida. É algo profundo. Algo sublime como saber que alguém que criou tudo isso um dia, lá nos primórdios, por um tempo que não sei, ocupou-se apenas de mim.

Essa imensidão que adivinho, sem abranger qualquer contorno, faz parte de meu destino. Tudo começou um dia na noite dos tempos e caminha. Sou um viajante e, por um pequeno período, um átimo em relação à eternidade, pude, tive e tenho a felicidade de ter amarrado minha alma ao pequeno barco que me conduziu ao vosso regaço, ao porto seguro proporcionado pelo vosso amor.

Obrigado mãe, obrigado pai, pela felicidade com que me acolheram. Está escrito, sem qualquer palavra, nas poucas fotografias que restaram. O que me proporcionaram é algo tão fabuloso que, pela primeira vez, resolvi repartir. Não há palavras capazes de definir o que sinto. Tento, mas é impossível. Provavelmente, um poeta escreveria algo mais sensível. Não sou um.

Beijos do vosso filho. Serei um eterno devedor e espero desfrutar do vosso amor para sempre.

Comentários

Leandro Marçal disse…
Lindo texto, lindo sentimento!