O novo normal (Crônicas de uma epidemia # 28)

 


Marcus Vinicius Batista

Não foram apenas as mudanças de postura, incluindo as bravatas, os vexames, os ataques de pelanca de (pseudo)autoridades e o desfile de moda da última máscara - social e pano - do momento. A pandemia nos trouxe muitos caminhos de intepretação sobre os comportamentos nos últimos meses.

Se houve uma certeza durante a visita do Covid-19, foi a inutilidade da bobagem inicial. Sairemos melhores ou piores desta pandemia? A pergunta genérica serve única e exclusivamente para nos indicar quem sofre de Síndrome de Poliana. É ingênuo demais supor que um período tão curto quanto intenso fosse capaz de promover mudanças substanciais de mentalidade.

A pandemia reforçou preconceitos e modos de vida, além de expôr a megalomania de se acreditar que um mundo tão complexo nos permitiria interpretações tão ligeiras quanto pueris. Deveríamos nos dar por satisfeitos se conseguimos compreender (um pouco) melhor a nós mesmos e as pessoas próximas.

Outra piada que nasceu e se multiplicou mais do que o Covid foi a expressão “novo normal”. Normal é diferente de adaptação. Não houve obediência geral à norma. Cada um improvisou do seu jeito. A expressão escondeu, acima de tudo, as picaretagens da exploração trabalhista, a obsessão da produtividade autoescravocrata e as encenações de família feliz feito publicidade de margarina do século passado.

Muitos se atrapalharam com o home office, poucos conseguiram construir uma rotina que separa o público e o privado – pesquisas brasileiras e estrangeiras mostram este cenário -, e todos sofreram emocionalmente. Ninguém escapou ileso.

Em algum momento, perdeu-se a capacidade de concentração para leitura, por exemplo. Muita gente teve insônia, alteração de peso e de pressão arterial, problemas estomacais, entre outros males físicos. Irritabilidade e ansiedade viraram companheiros de Quarentena.

O “novo normal” surgiu como interrogação, mas afirmou o destino de uma vida previsível: mercadoria. Uma expressão que atraiu um cardápio de serviços e produtos que fingem aliviar as tensões no sentido de nos desviar do olhar interno. O que cada um vai aprender com esta pandemia? 

O vírus, diga-se, não tem culpa de nada, exceto de ser quem é. Em muitos endereços contaminados por comportamentos fake news, ele foi a única criatura autêntica de 2020. E o ano sequer terminou.

* Texto publicado, originalmente, na revista Studio Box, edição n.5
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