O tamanho do meu mundo (Crônicas de uma epidemia # 25)



Texto publicado, originalmente, no jornal A Tribuna (Santos/SP), em 19 de julho de 2020.
Marcus Vinicius Batista

Meu mundo encolheu ao tamanho de uma quadra. Meia quadra para oeste, o supermercado. Se avançar mais meia quadra, alcanço a farmácia. E volto ao ponto de partida.

Meu mundo aumentou ao tamanho de um novo olhar. A pandemia nos isolou fisicamente – eu e minha esposa Beth -, mas reforçou nossas crenças, nossas convicções, nosso processo de vida. Um aprendizado que começou em 2015, quando ela permaneceu 21 dias na UTI por causa de uma crise de lúpus.

Naquele momento, espaço e tempo ganharam outras dimensões e fronteiras. A vida se reduziu em coisas, lugares e pessoas. Voltou-se ao essencial, ao valor das experiências cotidianas, aos episódios simples que – profundos que são – permanecem nas memórias, nas risadas renovadas, nas conversas reconstruídas que erguem diálogos inéditos. São momentos que denunciam e constrangem a ilusão do glamour, desejo superficial de uma sociedade de consumo de aparências.

Quatro meses de confinamento (e de vida online) ensinam que não há somente um horizonte paradisíaco, com água de coco, sol e mar cristalino. Não se muda sem sofrimento, sem a consciência das causas da dor e sem a vontade de estancá-las. Por vezes, é necessária ajuda profissional. Por outras, a cumplicidade alivia as pancadas.

Vivenciar um novo caminho jamais envolve a linearidade do trajeto. É tortuoso, com avanços e retrocessos, atalhos e becos sem saída. Há vontade de desistir e se acomodar no passado, assim como as tentações de se prender no futuro reaparecem diariamente.

O mundo de um confinado nos honra com o presente contínuo, das repetições de ações singelas como se fossem únicas. E são! Um abraço e um beijo de minha esposa que interrompe a elaboração deste texto. A possibilidade de fazer refeições juntos depois de discutir o cardápio do dia (mesmo que seja requentado), cozinhar, ler na cama antes de dormir, assistir a um filme na sala, com direito a cobertor, ouvir a voz de quem se ama ao telefone, ver o outro com afeto por videochamada. O presente nos entrega – cabe a nós agarrarmos ou não – as chaves de um mundo de tamanho reduzido na forma. No conteúdo, os limites se alargam de dentro para fora.

Este mundo de tempo menos matemático e mais sensível às percepções das experiências coloca em dúvida a capacidade de planejamento. No mínimo, expõe as camuflagens que criamos para justificar a paralisia pelo futuro que nunca sai do projeto. Mal dá para pensar daqui a seis meses quanto mais daqui uma semana. Aí está a oportunidade.

Vivemos, nesta pandemia, a oportunidade de alterar nosso pequeno mundo. A diversidade cultural, a complexidade política e a instabilidade econômica nos ensinam que é utópico buscar um entendimento global, mais um conceito presunçoso do que uma prática real para os homens comuns.

Alterar nosso pequeno mundo é refazer, valorizar, cultivar nossas relações próximas, com vizinhos, parentes, amigos, colegas; enfim, pessoas que amamos ou por quem temos algum nível de apreço. Mudar o mundo ainda é possível, mas com a exigência de uma perspectiva. Qual? Mudar o mundo do tamanho de uma quadra, ou quintal, ou jardim.

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