Pequenas dicas para sobreviver ao Whatsapp (e permitir que os outros vivam!) – Crônicas de uma epidemia - # 23




Marcus Vinicius Batista

Depois de 100 dias de vida online e home office, o whatsapp se transformou – talvez – na principal ferramenta de comunicação com o mundo lá fora. Matou saudades, propiciou diálogos, serviu de instrumento para solução de problemas, mas colaborou na criação de outros tantos.

Para evitar a overdose e as invasões alheias, listei algumas ideias a partir de experiências que vivenciei com mais agressividade neste período. Já ocorriam antes, só pioraram em intensidade e frequência. São erros meus e de outras pessoas, que me fazem desejar cada vez mais a desconexão (como utopia, infelizmente) e o silêncio (como realidade mais a mão). Vamos lá:

1) Bom dia para todos ou boa noite numa lista de transmissão não te torna uma pessoa educada ou digna de estátua na praça após a morte. Soa mais como convenção social ou culto da própria imagem. Oferecer por favor, desculpe e obrigado são mais valorosos porque são individuais e pontuais. Ninguém está disponível para te servir com um rei da Babilônia. É duro ouvir o básico quando se é marmanjo criado a leite com pera ou cidadão de bem, mas estes comportamentos estão presentes – quase sempre – nestes tipos de gente.

2) O Whatsapp não é uma loja de conveniência 24 horas. Ninguém está disponível todo o tempo para seus caprichos. Respeite os horários da vida física cotidiana. Até porque o Whatsapp não te coloca num mundo à parte, ainda que você o deseje como sujeito a ser idolatrado. Ah, mas ele (ou ela) pode ler pela manhã. Assuma suas responsabilidades, por mínimas que sejam! Se o outro lerá somente pela manhã, mande somente pela manhã. Não é preciso desenhar, e sim compreender que as pessoas têm uma vida além do seu desejo de holofote.

3) Grupos de trabalho precisam de explicação para o nome que carregam? Eles funcionam para isso. Todos nós temos que encarar uma quantidade enorme de grupos profissionais, muitos deles para falsas urgências. Portanto, por que poluir mais ainda o ambiente virtual com sinais de sua vida anônima? Aqui, também vale o item 2. Trabalho não é (e não deveria ser) escravidão voluntária. Se você prefere resolver executar suas tarefas no domingo à noite, a decisão é sua! Respeite a rotina e horários alheios, exceto se houver uma situação excepcional com autorização do outro. É desagradável – num grupo de trabalho – receber aquela dica de que sua “urgência” pode ser resolvida na segunda-feira.

4) O inferno dos áudios. Se possível, explique do que se trata, principalmente se for em grupos de trabalho. Afinal, as mensagens podem não ser destinadas ou interessar a todos os participantes. Procure ser breve. Nada de tratados filosóficos ou tentativas de quebrar o recorde de tempo de discurso de Fidel Castro. Se tiver algo a dizer, o próprio Whatsapp permite chamadas de áudio ou de vídeo. É...permite isso há uns 200 anos.

5) Vídeos, parte 1. Por favor, não repasse todos os vídeos que recebe. Ninguém tem saco ou estômago para ver tudo que todos mandam. Acaba virando um tudo ou nada. Se eu não ignorar 99% deles, não vivo. Novamente, avise do que se trata. Quanto mais curto, melhor. Whatsapp não é sala de cinema ou catálogo do Netflix.

6) Vídeos, parte 2. Se preferir vídeo chamada, peça permissão antes ao coleguinha. Você pode se poupar ou poupá-lo de constrangimentos. Pouco se vestem no home office como no ambiente de trabalho físico. Além disso, o outro tem o direito de não querer te ver naquela hora.

7) O Whatsapp é um instrumento de linguagem limitada. Figuras de linguagem são um risco grande para a pancadaria, para o desentendimento por quase nada. Escreva, não digite. Quem digita facilita um efeito colateral presente como nunca neste momento histórico: a dificuldade com interpretação de texto. No Whatsapp, menos é mais. Repito: não digite, escreva.

8) Não repasse o contato de ninguém sem autorização. Ninguém é obrigado a conversar com quem não gostaria. Se o Whatsapp é um instrumento de comunicação individual, que assim o seja, sem invasões de domicílio virtual. Voltando ao básico: pergunte se pode repassar o contato. Não é preciso desenhar. Palavras ajudam...

9) Se for procurar alguém pela primeira vez e recebeu o contato, identifique-se. Não se comunique como se você fosse o centro do universo, famoso e procurado por todos para espalhar a palavra, a sua mensagem. É constrangedor – e falo por experiência – quando tenho que perguntar: com quem falo? Quem escreve? A pessoa do outro lado tem diversos compromissos, transita por inúmeros grupos sociais (e de Whatsapp). Portanto, ela não tem como adivinhar quem você é ou sua “urgência”, se você se identifica somente pelo primeiro nome. Pior ainda se for um nome bíblico, da moda ou com vários homônimos no mesmo círculo de pessoas.

10) A praga da falsa urgência. Ninguém está à sua disposição. É a terceira vez que digo, talvez assim a ideia seja fixada. Não se comporte feito criança birrenta no meio do supermercado. As pessoas respondem no tempo delas. Elas também podem estar ocupadas. É umbilical a relação: o nervosinho não aguenta esperar porque a sua urgência urgentíssima não foi respondida. Logo em seguida, percebe-se que era alguma bobagem que poderia ser vista daqui a algumas horas, dias, meses, talvez nunca.

BÔNUS: Grupos de família. Se puder, não faça parte. É muito útil e saudável conversar no um a um, se houver necessidade. Grupos de família costumam cumprir seu destino: imãs da discórdia. Funcionam como uma mesa de Natal o ano inteiro, no sentido perverso do termo. O primo de olhar libidinoso. A tia fofoqueira. O cunhado com ideias políticas medievais. Você será poupado deles, pois dificilmente vão te procurar em canais fechados.

Comentários

Madeleine Alves disse…
Não se comporte feito criança birrenta no meio do supermercado. Se as pessoas se comportam como crianças na pior pandemia dos nossos tempos, imagina o que não fazem no whatsapp... RS. Obrigada pelo manual de conduta, bom de passar aos personagens que agem assim.
Rosana Lucchesi disse…
Adorei o bônus!!!