Um olhar além da janela


Roberto Rodrigues

Ultimamente, tenho espiado o mundo pela janela. O olhar alcança grandes distâncias quando o nariz aponta para o céu que anda azulado. Auspícios do outono que nos dá dias claros e ensolarados e noites mais frias.

O olhar baixo é curto, encerra-se na barreira de edifícios que se multiplicaram nos últimos anos em uma cidade que cresce para cima e pouco se embeleza no essencial.

Sem qualquer esforço das vistas, vejo uma estação de trem e posso seguir o fluxo das composições – as que vão e as que voltam. É transporte cativo de muitos.

Os trens andam preguiçosos. Correm devagar quase parando. Não têm qualquer pressa em chegar ao destino. Essa a impressão. E vão e vem a levar na barriga gente disposta a desafiar a quarentena que mudou toda a rotina do mundo. Não carregam tantos passageiros como antes, mas ainda são muitos.

Na avenida a uma quadra de onde moro, o fluxo de veículos permanece incessante. Somente nos estertores do dia, quando a noite se funde à madrugada, a artéria silencia. O vaivém quase para em definitivo.

Noto a vizinhança mais calada. Mal se escuta os vizinhos. Em algumas casas, nem há sinal de vida. As portas são mantidas, as venezianas cerradas. As aparições dos rostos tão conhecidos são esporádicas. Somente seus cachorros continuam fazendo as necessidades nos portões alheios. Há coisas que não mudam mesmo em dias de pandemia.

É curioso o andar das horas. A carruagem do tempo, ao contrário dos trens, parece voar. Acordamos cedo, com o raiar, tomamos o café, lemos as notícias e, num piscar de olhos, o relógio marca o meio-dia. As manhãs se esvaem sem que percebamos de tão lépidas que me fazem lembrar Usain Bolt em seus melhores dias.

O jamaicano era ligeiro. Fazia quarenta e cinco quilômetros por hora tal a explosão dos músculos. E imaginar que o guepardo, o animal mais rápido que se tem notícia, faz cento e doze.

As tardes, assim como as manhãs, são consumidas no mesmo ritmo frenético, especialmente para aqueles que esticam a pestana.

Há momentos que, em pleno dia, há um silêncio incômodo quebrado por uma moto barulhenta ou por um raro carro de passagem.

Respiro! Há algo novo no ar. É oxigênio. Ouço dizer que as águas do mar se autorregeneraram. Voltaram os peixes, os siris andam invadindo as areias. Pena que não estou lá para ver.

E, de repente, se faz silêncio. Ouço apenas o barulho do vento. Tudo está calmo, mais calmo de costume.

Apesar da aparente placidez, há uma guerra lá fora e conflitos particulares nos lares.

Entre as paredes, a violência cresceu com o isolamento. Nem todos os homens e mulheres vivem sob a égide do amor. O amor verdadeiro que exala compreensão, cumplicidade, respeito, fraternidade, uma conquista que não é para todos.

Entendo que uma grande parte dos relacionamentos está crivada pelas balas da intolerância, da impaciência, da provocação, do desamor.

As partes de um casal têm sido colocadas vis-à-vis, e os resultados não são favoráveis ao entendimento. É lamentável!

Enquanto isso, do lado de fora, há uma luta insana contra a morte em favor da vida. Luta-se contra um inimigo invisível, fraco e, simultaneamente, poderoso, que se alimenta da desinformação e do despreparo das autoridades e das pessoas para fazer suas vítimas. Não à toa colocou a economia mundial e os governos no interior do labirinto de Dédalo.

Ah, os desavisados! São as vítimas prediletas do monstro que asfixia. Especialmente, os falastrões que arrotam desdém.

O monstro, um devorador de saúde, começou a vergastar a população pelo alto da pirâmide social e agora desce ao bojo, em direção aos pés. A doença foi importada por aqueles que transitam pelo mundo em recreação ou mesmo a trabalho. É, desta vez, não veio da periferia.

Sabe-se de patrões que infectaram seus subordinados após voltarem de mais um cruzeiro ou um giro no estrangeiro. Safaram-se, enquanto suas vítimas faleceram.

As autoridades que antes desdenhavam o perigo – trocaram a saúde pela economia – agora estão enterrando seus cidadãos. Assim foi na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos, no Brasil, e noutros cantos. Não deram atenção aos apelos da organização mundial que cuida da saúde. O mal parecia distante, encerrado lá na China.

Ocorre que faz muito tempo que as distâncias foram encurtadas. Hoje, a China é logo ali. Onde a gravidade do problema não foi desdenhada, o mal chegou e foi mais bem controlado.

Enquanto isso, os cientistas se viram para conseguir uma vacina e os médicos se desdobram para salvar vidas. O restante do mundo – se não está praguejando contra o isolamento – reza para que a cura chegue antes do fim.

Nunca vi antes tanta gente falando em religião. De repente, no meio do caos, descobriu-se Deus. Um sinal de que as pessoas andam preocupadas.

Deus é um porto seguro em qualquer hora, em qualquer lugar, enquanto não se consegue a almejada imunidade.

Escrevo isto, enquanto na televisão Sérgio Moro, o superministro da Justiça e da Segurança, pede demissão. Mais um a abandonar um barco à deriva.

Continuo a olhar pela janela e, agora com o pensamento distante, fico a imaginar o que virá. Aqui, no Brasil, e no mundo.

Será que após a pandemia teremos um relacionamento melhor?

É muito cedo para saber se a lição será aprendida. Por ora, fico a refletir como estão agora as pitonisas e os oráculos que no início de cada ano fazem previsões e se gabam de desvendar o futuro? Qual deles em seus disparates alertaram para a pandemia?

E os gurus das curas milagrosas por que não curam o covid-19 com suas panaceias?

Estão todos desnudos, inclusive os que fazem da religião um negócio. Será que ainda haverá quem dê crédito a essas pessoas?

É fato: uma hora a casa construída em areia cai. Hoje, a verdade está em gozo. Na pandemia os charlatões encontraram o seu dia!

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