Sobre lobos, mulheres e homens



O texto abaixo foi enviado pelo jornalista e escritor Roberto Rodrigues, após a leitura do livro "O Lobo, o Urso e a Cura", que escrevi com Beth Soares. Decidimos pela publicação neste blog (e na página da editora, no Facebook) pela generosidade e pela qualidade - redundante dizer - do texto. Roberto, muito obrigado pelo presente e pela amizade. 

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Roberto Rodrigues

Não escrevi de uma vez, num só fôlego. Foi devagar, à medida que a leitura avançava. Não vou me ater a tópicos, mas ao todo. A leitura é sensível. O relato honesto. A experiência singular. Singular e plural. Muitos vão se ver como num espelho ou seria num filme que se altera?

Há cenas em tecnicolor e as dignas dos filmes noir. As experiências singulares e plurais se tocam em alguns pontos. Singular na experiência individual – da Beth, do Marcus – e de ambos como um casal no concerto a dois. É plural em tudo o mais.

Estou comovido. Não há como não ficar. O sentimento exala por todos os poros, até de forma imperceptível. O amor idem.

A narrativa extravasa coragem..., medo..., esperança.

O medo foi provocado pelas dúvidas em torno do amanhã. Mas a coragem acaba por suplantar o medo. Isto está visível o tempo todo, embora, às vezes, não transpareça.

O medo e a coragem em doses que se alternam são sentimentos imprescindíveis. É o que nos leva a ultrapassar os limites da dor e das incertezas para alcançar um objetivo feliz.

A coragem prevaleceu e suplantou o medo e, a meu ver, parece ter sido alicerçada pela mão estendida pelos médicos ainda no primeiro atendimento.

Ah, como isso foi importante! E sempre é. A forma como somos recebidos conta tanto em qualquer momento. Valeu muito e foi uma espécie de fio de Ariadne que os conduziu para fora da caverna. Entendi pela leitura que a luz brilhou o tempo inteiro, mesmo nos momentos de dúvidas e chegou muito antes ao fundo. Enfim, a mão estendida, o símbolo da solidariedade, foi um fio condutor. Vi essa luz de esperança brilhando o tempo todo em uma candeia colocada bem no alto.

É o tal negócio; para um alpinista, qualquer saliência, a mínima borda serve de arrimo ou ponto de apoio. Numa escura caverna a chama de uma vela desvela a escuridão indevassável.

O apoio foi o cajado que dá segurança ao andar. O amor alicerçou todo o resto.

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Não é fácil ir visitar alguém que amamos numa UTI. Mesmo um urso se sente em apuros. Como foi dito, ninguém vai ao hospital ou a um consultório por mera cortesia. Daí a importância do acolhimento inicial. Estabelecer uma ponte segura é imprescindível em qualquer situação da vida.

Também é verdadeiro dizer que a solidão seja grande nas UTIs. Como não ser? Há um tempo enorme para ser preenchido pelo paciente desperto. Sei como é. Vivi a experiência mais de uma vez, mas não é assunto de interesse aqui. Também posso dizer que as pessoas que trabalham dentro das UTIs praticam o mais próximo que conhecemos de amor ao próximo. Há exceções, sempre há, mas ali se trabalha sem ver a quem.

A exceção restringiu-se a um caso relatado pelo que entendi. No mais, prevaleceu o compromisso, o apoio, o respeito dos profissionais e, o mais importante, a cumplicidade de dois seres em busca de um objetivo: a própria felicidade.

O amor foi o fio condutor. Está explícito em cada palavra, em cada gesto. E há doses generosas de compreensão, de paciência.

Falei no início que não me ateria a tópicos, mas fiquei particularmente tocado ao que vou citar. No 21º dia, houve uma redescoberta.... Emocionante! Nem todos conseguem! Quantos passam pela vida sem se conseguir amar verdadeiramente. Sem ao menos conhecer, não digo plenamente, mas um pouco de si mesmo.

Não basta olhar no espelho para saber quem somos. O espelho de nossa casa costuma enganar nossos olhos. Temos que ver no espelho alheio para enxergar. Um que não seja nosso confidente ou que maquie nossos defeitos. Em uma UTI, temos grande probabilidade de olhar no espelho da própria alma. Aí tudo muda de figura. Muitos conseguem dar guinadas importantes em suas vidas. Afinal, quem consegue enganar a própria alma?

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Há nos relatos lições para a luta diária. Uma delas – e aprendemos somente com a experiência – mostra que nem sempre é possível enfrentar o touro a unha. Nesse caso, um lobo. Não é prudente bater de frente. O ideal é agir como o capitão criterioso que prefere contornar o centro da tempestade em busca de mares menos revoltos e bravios.

No caso, a tormenta tem a forma de um lobo. Um lobo pode até ser domesticado, mas será sempre um lobo. Sei que é lugar-comum, mas é fato. De repente, muda de ânimo e mostra os dentes e as garras. Isto ficou evidente ao longo da caminhada.

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E chegamos até o ponto em que o lenço postado na cabeça deixou de ser um estigma e, sim, tornou-se o símbolo de luta. Uma boa luta.

A partir deste capitulo – o 18 – e dele ao 22 – segui o fluxo até o fim. E continuei a seguir a corrente até o desenrolar da uma prova em que houve vencedores, bons vencedores, felizmente.

Torço do fundo do coração que vocês consigam domesticar esse lobo em definitivo e possam controlar suas manifestações fazendo uso da sabedoria adquirida. Abraço fraterno. 


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Texto de valor cognitivo e sensitivo esse texto