O publicitário de tempos difíceis (Crônicas de uma epidemia # 16)


Marcus Vinicius Batista

Não conheço o Fernando Rossi. Nome pomposo, quase aristocrático. Conheço o publicitário. Conheço o colega de faculdade, jogador de handebol. Conheço o Fernandão. Para entender o papel dele nessa pandemia, é essencial explicarmos as nomenclaturas.

O Fernandão é um publicitário com fogo no teclado. Ele foi um dos primeiros a compreender que o isolamento era físico, jamais social. O que poderia fazer? Ser publicitário, é o que sabe fazer há mais de 25 anos, e não posar de especialista em vírus, políticas de saúde, comentarista de link ou malabarista intelectual, profissões novas ou antigas nos confrontos de narrativa político-ideológica.

O publicitário foi para a rua sem sair de um cômodo. Sem acomodações, ele exercitou o que a Publicidade poderia ser e, por razões que não convém esmiuçar aqui, fica presa no dinheiro como critério único. Ele foi para a propaganda como ação política, como resposta social. Quando a crise berra, pode até trabalhar de graça e indicar caminhos para quem capotou com a estupidez humana.

O Rossi justifica – parece mais desculpa - o rastro histórico italiano do sujeito grandalhão, fora do eixo, bonachão que reage de imediato. Um cara que abraça, beija, fala alto, chora quando ouve parabéns na sacada, diz que ama os amigos, os chama de irmãos, sem se preocupar com as patrulhas das convenções sociais que ditam como homens devem se comportar com homens. A hora é de se comportar como homem.

Para o publicitário, afeto está além da peça que cria, e sim é uma experiência precisa ser dita. Mais: demonstrada. Mais ainda: vivenciada. Um não existe sem o outro.

O “ão” superlativo também floresce no pai de tamanho GG, que faz propaganda gratuita dos filhos, aí sem a distância do criador. A criatividade mágica – aqui, um traço familiar como ofício do menino – para reduzir a angústias e entreter os dois filhos adolescentes, fora recriar os três aniversários em família no mês de abril, inclusive o próprio. Até farinha na cara virou vídeo e programa na Internet. 


Patricia (esposa), Giovana (filha),
Fernandâo e Gian (filho)

Minha convivência com o Fernandão começou na faculdade. Éramos de cursos diferentes e nos aproximávamos nas competições esportivas. Ele era um dos líderes do time de handebol e me ensinou as regras do esporte. Eu era o goleiro de futebol, improvisado na função kamikaze do jogo. Acho que deu certo, pois a Comunicação se tornou o segundo melhor time da universidade, atrás do Direito. Foi a única medalha que conquistei em três anos.

O esporte se transformou em lacunas fantasiosas da memória, traduzida em saudade, jamais em saudosismo. Hoje, é conversa de pai, entre amigos, sobre nossos filhos, sobre literatura, até sobre dieta. E, se for o caso, e foi, o diálogo de whatsapp se transformou na minha primeira live no Instagram.

Em quadra, Fernandão era o que é hoje, guardando as proporções de cada papel social dele e do envelhecimento de quem teve histórico de atleta (cabelos brancos, barba grisalha, barriga mais confortável). Era um jogador que não perdia muito tempo com estratégias de vestiário. Praticidade, Vida que se resolvia na beira da quadra, com um toque de improvisação e uma pitada de raça. Depois do jogo, não se falava nisso. Até a próxima partida (ou problema!).

O Fernandão comete erros como qualquer um, dignos daquele que age de impulso, que responde sem se reunir por horas como um burocrata colonial. A diferença é que – aí está o ponto – sabe quando os comete e tenta corrigir a rota na mesma velocidade proporcional. Até assusta que estava de gaiato nos perfis públicos dele.

Desculpar-se significa rever posições políticas ou pedir que o perdoem, seja para o indivíduo, seja para o público quando as mãos escorregaram nas palavras escritas e arranharam alguém. As duas situações ocorreram nesta pandemia. A vida seguiu, assim como as mensagens e o próximo cliente a ser atendido.

São vários papéis que se condensam num nome composto, mas – principalmente – num apelido. Um apelido com a redundância do sufixo e com a grandiosidade de quem resolveu abraçar o mundo – o tamanho do mundo depende de quem vê – sem sair de casa. Nem que seja para bater palmas na varanda ou lixar as unhas nas teclas.

Fernandão tem nome e sobrenome quase aristocrático, construído em casa em isolamento ou no mercado desde o século passado, mas nenhum dos dois compete com o apelido que faz jus ao sujeito. Comum e diferente ao mesmo tempo, melhor do que qualquer slogan.


Comentários

Mesquita Dantas disse…
Maravilha de texto, e além do mais eh o cara. Família muito bacana. Demais. Parabéns.
Unknown disse…
Nada a acrescentar. O moço é paixão. Quando essa fase acabar, o resto de nossas vidas será pouco para recuperarmos o tempo fora do convívio presencial. Que venham os brindes, os abraços, as risadas.
Unknown disse…
Nada a acrescentar. O moço é paixão. Quando essa fase acabar, o resto de nossas vidas será pouco para recuperarmos o tempo fora do convívio presencial. Que venham os brindes, os abraços, as risadas.
Cara, voce realmente mostrou que conhece bem o Fernandão...ainda que eu não soubesse que era ele, ao ler suas palavras, eu pensaria: " Caramba, ele ta descrevendo o Fernando Rossi, o Fernandão, o pai do Gian e da Gigi ou simplesmente o meu compadre!! Belas falas.. belas falas! Não te conheço mas ja gosto de voce!
Anônimo disse…
Vários adjetivos e superlativos me ocorrem. O Fernandão merece esse texto incrível e mais um montão de outros. Difícil descrever sua alma nobre e seu talento raro, seja na vida pessoal ou profissional. Privilégio de poder chamá-lo de irmão. Abração, do amigo Marçal.
Paulo Malpighi disse…
Parabéns pelo texto meu amigo, palavras perfeitas e parabéns para o Fernandão! Tenho o privilégio de ser um dos muitos irmãos que essa cara especial tem, uma das coisas que ele me ensinou é falar EU TE AMO MEU IRMÃO!!
Anônimo disse…
Certamente, como diz meu marido, o melhor texto e a surreal definição sobre meu amado irmão. Se cercar de pessoas geniais, como vc, Marcos, é sem dúvida um dos motivos dele ser esse ser humano único. Obrigada pelo texto, obrigada Senhor, por me dar a honra de ser irmã desse cara sensacional. Amooooooo