Luna e o país das maravilhas (Crônicas de uma epidemia # 10)

Luna, antes de desaparecer
no país das Maravilhas

Marcus Vinicius Batista

Luna, a menina de 5 anos, corria pela sala. Poderia ser um bosque, um castelo, uma alameda cravejada de brilhantes. Mas era uma sala mágica. Ela não sabia onde parar neste momento daquela viagem fantástica. Era, afinal, seu aniversário de 5 anos, naquele dia 5 de abril, um dia que poderia nunca ter terminado, que transformara aquele espaço num reino de alegria, um intervalo entre ataques de seres microscópicos contagiantes e pessoas pequenas de espírito, mas de poder gigante e igualmente contaminante.

Luna corria e se revezava entre a tela do computador, que a permitia encontrar uns 15 personagens e seus mundos de parabéns, e a mesa do bolo, presente da moça da padaria e que a mantinha radiante no reino da rainha ruiva, nada maléfica; pelo contrário, mais maternal impossível.

A rainha ruiva e o chapeleiro maluco meio coelho (já vou explicar!) tinham tanta criatividade e disposição que Lewis Carroll os incluiria na história de qualquer jeito. Como os dois, Caroll escreveu a saga de Alice para levar sua filha a um universo único, onde a imaginação não daria passagem de volta, ainda que o tempo envelhecesse.

O pai chapeleiro tentava acompanhar Luna desde de manhã, quando ela entrou no país das maravilhas não pelo pé da árvore, mas pela tenda erguida pelos mais eficientes engenheiros e suas técnicas improvisadas, sensacionais, mirabolantes, espetaculares e geniais de engenharia. Quem levanta um tripé para fotografar, filmar, dar aulas online levanta uma tenda para UM dia de aniversário sem precisar recitar abracadabra. Perdoem-me: O dia de aniversário porque certamente Luna não viverá outro igual. Talvez em outra fábula, sem quarentena, mas jamais igual.

Enquanto Luna disparava, o Chapeleiro girava a câmera para garantir que outros personagens conseguissem acompanhar a história. O Chapeleiro, quando virtualmente trocava de figurino e se transformava no Coelho, olhava no relógio e só sabia repetir: “em sete minutos, vamos cantar parabéns. Não saiam daí!” Dois minutos depois, a mesma fala animada: “em sete minutos (...)"

Tudo bem, Coelho possuído pelo Chapeleiro, nós entendemos. O parabéns será já já! No país de Luna, sete minutos são logo ali. A fada madrinha assistia a tudo, sentada no sofá. Sentada porque também era espectadora. A fada já fizera a mágica ao se transportar, num estalar de dedos, para lá. Que felicidade da aniversariante.

Luna também tem poderes mágicos. Só vou contar um, olha só, prestem atenção! Quanto tinha um ano, só um ano, a menina que agora tem cinco ensinou o filho deste cronista a mergulhar a cabeça na água. Hoje, ele nada como um peixe. As aulas de natação também ajudaram bastante, mas são detalhes, detalhes. Estou me perdendo na história. Enfim, voltemos...

A fada madrinha foi a única com permissão para ficar no cenário. Ali, ela sorria e tentava segurar Luna, que estava louca para comer os doces e o bolo. Talvez tentando diminuir de tamanho e passar pelo buraco da fechadura. Ou ficar minúscula e dar uma surra no vírus chato que a prende dentro do Oz (ops, outra história, o próximo aniversário?). Talvez tentando ser uma gigante e encostar a cabeça no teto. Assim, poderia acordar o gato que fingia sorrir e insistia em dormir com tanto barulho na sala.

O Coelho-chapeleiro-pai-cinegrafista-músico tentava convencer a plateia. “Em sete minutos, vamos cantar parabéns. Não saiam daí!” Ele girava em círculos ... porque Luna corria em círculos ... porque a rainha ruiva acompanhava a menina que fazia cinco anos, enquanto a fada madrinha gargalhava no sofá como testemunha ocular desta e de outras narrativas.

A cada personagem que entrava no enredo construído a muitas mãos, renasciam os gritos de “Parabéns, Luna!”, “Uhuuuu”, “Aeeee, Luna”. Luna saia da mesa de bolo, voltava para a frente do computador e gritava: “Obrigado, tia”, “Obrigado, fulano”, “Obrigado”. O Coelho Chapeleiro (a ordem dos dois personagens, ora bicho, ora maluco, não altera o papel do pai) registrava tudo e explicava: “...em sete minutos..”

Nesta fábula sem pé, mas com cabeça, nascida por causa de um aniversário, fruto de um amor incondicional de pai e mãe, abocanhada por amigos, tudo durante uma quarentena de isolamento físico, jamais, nunca, em hipótese alguma, de isolamento social, finalmente o Coelho anunciou: “Vamos cantar parabéns!” Quantos minutos depois, é um detalhe irrelevante que só interessa para gente chata que não gosta de histórias infantis. Como diria Luna, a menina de 5 anos, “ah..Tio Marcão, eles não entendem nada.”

O parabéns foi inesquecível por todas as circunstâncias já contadas ao pé da árvore que levou Luna para um mundo onde os milagres acontecem. Como trovador, sai um pouco antes do final da história. Comovido por um aniversário deste tipo, deixei minha esposa na sala (outra, claro) e peregrinei para a cozinha. Tinha que respirar fundo e enxugar o líquido salgado que escorria pelos olhos.

Poucos de nós sabem quanto esforço foi feito para que esta história ganhasse vida. Quanto a rainha ruiva e o Chapeleiro Maluco suaram e perderam horas de sono para que ela, Luna, dormisse sem perceber que forças do mal ainda pairam pelas nossas cabeças. Quantos capítulos foram reescritos para que a menina de 5 anos comemorasse 5 anos como os melhores 5 anos da vida de alguém.

E todos foram felizes, não para sempre, que deixaria a história inacreditável, mas naquele dia (e era o que importava!).


FIM

Comentários