O valentão da escola (Crônicas de uma epidemia # 03)



Marcus Vinicius Batista

Conheci muitos valentões durante minha vida escolar. Tinha até bom relacionamento com eles, não porque me aceitavam, somente me respeitavam porque eu jogava no time de futebol da classe e no da escola. Meu mundo era dos nerds, um título hoje popular, na época demasiado pejorativo.

O valentão da escola só mudava de carteira de identidade, cada novo valentão era cópia escarrada do antecessor. Tão previsível quanto seu caráter. Tão óbvio quanto sua inteligência. Tão ordinário quanto sua necessidade umbilical de aprovação e de holofotes.

O valentão, como o próprio título explica, busca respeito pela força, pelo medo. Até sua turminha pulava fora assim que podia. As relações se limitavam ao ambiente da escola. E só! O valentão não perambulava cercado e admiradores, mas de servos marcados a ferro em brasa pela baixa autoestima.

O valentão gostava de ser temido, de se iludir com o poder transitório ou até inexistente que possuía. Seu cotidiano se repetia pelo caos. Colecionava idas à diretoria como se fossem marcas de guerra, na evidente superdimensão de seu virótico universo. Desrespeitava quaisquer figuras de autoridade, louco para ser enquadrado e, fora da cena pública, abaixar a cabeça e responder: “Sim, senhora. Sim, senhora”.

Quando saia da diretoria, o valentão batia no peito e fantasiava – até ele mesmo crer – que havia enfrentado a fera, tinha dobrado a “autoridade”. O desrespeito se estendia aos professores, forma para camuflar seu desempenho sempre abaixo da média, mascarar seu medo de ser detectado pelas lentes como medíocre. Se fossem professoras, inseria ali, sem saber o significado da palavra, claro – comentários misóginos, que se estendiam às meninas que o rejeitavam. E dá-lhe nãos!

A força do valentão encobria a ausência de destaque. Não era um grande atleta. Não era um sujeito do laboratório de Ciências. Não servia para Exatas. Fracassava nas Humanas. O valentão comia conflito, digeria discórdia, arrotava truculência. No escárnio, era nota dez!

A força do trator tinha como combustível a ignorância, negada com todos os músculos. Ali, o importante era diminuir o outro para reduzir a própria insegurança. Constranger pela potência do grupo – note-se, o valentão nunca anda sozinho. Se te encontra, atravessa a rua fingindo não te ver – é a arma para se confirmar como líder da meia dúzia de cinco imbecis. Nunca reconhecer que vivia atormentado pela ameaça alheia, real ou paranoica.

O valentão é um distribuidor de apelidos, todos jocosos, nenhum carinhoso. Todas as minorias – ele nunca percebeu que compunham a maioria - eram expostas em seus defeitos com o preconceito da verborragia insistente. O gordo, a magra, o alto, o baixo, o negro, o ruivo, a mulher, o velho, o inteligente, o rico, o pobre, o nordestino, o bolsista ... a lista é extensa.

Confesso que me lembro de atitudes dos valentões contra meus amigos, na escola. Algumas vezes, consegui evitar. Em outras, o silêncio me dominou. Em raras ocasiões, também fui estúpido, seja por vingança, seja para sobreviver às dinâmicas sociais da época.

Confesso também que, com certo orgulho, quando vejo as fotos das escolas e olho para os valentões, só visualizo um borrão. Não consigo me lembrar de seus nomes. Não tenho notícia alguma sobre eles. Ficaram no meu convívio, após três décadas, os nerds de quem permaneço amigo e muitos que jogaram futebol comigo. Deles, sobram saudades, que matamos com café, bate-papo ao vivo ou virtual, testemunho de aniversários, casamentos, nascimento de filhos, futebol de vez em quando etc.

Os valentões nunca foram líderes. Apenas estavam lá por circunstâncias específicas. Os valentões são coerentes e seguiram seu destino: nos tornaram melhores pelo oposto e desapareceram como imagens manchadas e insignificantes da História.


Comentários

Alfredo Bouzas disse…
Parabéns pelo texto. Excelente como sempre!
Várias recordações de quem também fez parte dessa história.
Um forte abraço!
Paula Quagliato disse…
Um texto montanha russa... Que provoca nossas mais profundas emoções. Comprova no sobe e desce de sentimentos a luz e a sombra que todos temos. Exceto o valentão, que nunca será mais que um borrão...