O preço de um vírus (Crônicas de uma epidemia # 01)



Marcus Vinicius Batista

Não sou médico, conheço muitos, confio na maioria deles. Sou jornalista, sei o quanto o Jornalismo peca, mas acredito na qualidade de informação de alguns veículos de comunicação. Não me atrevo a tecer tratados filosóficos ou análises científicas sobre a epidemia de coronavírus. As autoridades sanitárias e os gestores públicos e privados são os que têm a obrigação de avaliar riscos, tomar medidas preventivas e amenizar as consequências.

O que me preocupa é o dia de amanhã, o final da semana, o término do mês. Não vamos estocar nada, ação moralmente condenável e financeiramente inviável. Passamos a trabalhar mais, como processo de adaptação pelo momento histórico vivido. Trabalhamos mais para mantermos parte da rotina, nossa e de outras pessoas. Trabalhamos mais porque parte de nossas atividades foram paralisadas, adiadas, canceladas por razões óbvias e sensatas.

Vejo meus amigos e familiares em dificuldades. Muitos deles não sabem como atravessar o mês. Assim como nós, escolhendo contas a pagar. No mundo deles, fazendo propostas para adiar o inevitável: o vírus corrói não apenas as vias respiratórias, mas também provoca embolia financeira.

Amigos que trabalham no comércio oscilam entre fechar as portas – a recomendação é essa! – e negar o mundo lá fora, sabendo – lá no fundo – que fecharão as portas até o final da semana. Parceiros da área cultural observam, sem saber o que fazer, toda uma agenda evaporar como se recebessem uma dose cavalar de álcool gel pelos olhos.

Outros tentam se virar via Internet, somente para manter viva a chama artística. Entretém crianças, conversam com o público, fazem apelos à consciência de um público um tanto quanto cínico sobre a Cultura.

Pessoas próximas sabem que as escolas fecharão as portas em breve, talvez amanhã, quem sabe hoje, e não sabem como e onde deixar seus filhos porque precisam trabalhar para manter o ritmo de lucro e de metas, ignorados ou vítimas de piadas dos capitães-do-mato franqueados como escravos.

O Coronavírus não é uma peça de conspiração. Ele é real, bate na nossa porta e cobra uma taxa de proteção. Tal qual um miliciano, o vírus nos mantém reféns em um calabouço de insegurança, sugando-nos o que resta de recursos já dilapidados por uma crise econômica que os líderes fingem não existir.

Este país poderia ter pensado em políticas preventivas para conter o avanço do vírus e, principalmente, suas consequências. Mas políticos, líderes do mundo corporativo e gurus que gritam em nome de um Deus deles brincam de rede social, criam fantasias, agem de forma irresponsável, passam por cima de todos os limites civilizados. E recebem aplausos de parte da plateia, enquanto a outra parte precisa encarar boletos, juros, credores.

O vírus, já deveríamos ter aprendido, não cobra apenas um preço biológico. A taxa é social, atinge a todos, não escolhe ideologia ou verborragia de Internet. O vírus – seja humanoide, seja microscópico - nos coloca numa posição em que temos que virar o dia lutando pela imunidade física, emocional, social e financeira.

Para muitos de nós, o vírus é uma mutação de outros, que vestem terno, gravata, vomitam Vossa Excelência, exercem mandatos, coordenam cultos, escravizam ambientes de trabalho e, todos eles, insistem em dizer que nada está acontecendo. Que tudo não passa de conspiração.

Vejo meus amigos tentando se proteger, atingindo outros amigos porque não podem atendê-los ou consumir o que eles produzem. Se a recomendação é não beijar e abraçar, simbolicamente já somos desobedientes: estamos com todos os sintomas de que morreremos abraçados.

Comentários

Rosana Lucchesi disse…
Sim, morreremos todos abraçados, solidários uns para com os outros. Seremos todos afetados, comércio, os que trabalham informalmente sem qualquer vínculo e amparo empregatício, prestadores de serviço de um modo geral.... O vírus nos corroerá as entranhas.A parcela maior da população não tem reserva financeira, não tem a quem recorrer. Enquanto isto, no circo de horrores que é o cenário político atual, distribui-se bananas, em fruta e gestos.
Ari Brito disse…
Perfeito!!! Texto preciso e uma dura realidade.
Chrys Leite disse…
Admiro cada vez mais os seus textos e a sua coerência.