O machista não pode mentir ...

O confessionário

Marcus Vinicius Batista

Não posso mentir para ela. Nunca deixarei de ser machista. Não posso prometer o impossível. Sempre serei um deles. Parafraseando uma professora que me guiou numa fase da vida, prometo olhar no espelho todos os dias – já o faço literal ou simbolicamente – e me dizer que tentarei ser um pouco menos machista nas próximas 24 horas, com o compromisso de renovar o vínculo assim que acordar na manhã seguinte.

Não posso enganá-la. Sou um trapaceiro. Finjo que entendo suas angústias, desejos e perspectivas como mulher, mas sou limitado pela minha própria condição. Consigo, de fato, aprender parte das lições, me esforçar para ser um companheiro melhor, mas muitas vezes me sinto como se estivesse no interior da Amazônia sem água, comida e com um canivete enferrujado nas mãos para tentar sobreviver.

Não posso ser estelionatário com ela. Confesso que, enquanto pensava neste texto, cometi diversos atos falhos, que são repetições presentes no cotidiano. Pensei, claro, em escrever inúmeras vezes “minha” mulher. Não há como evitar que o sentimento de posse, ainda que fragilizado nas “entreletras” de um pronome, entregue para mim mesmo o quanto há a percorrer.

Não tenho o direito de dizer que sou um “self-made man”. Estou onde estou, cheguei neste ponto da estrada porque você estava do meu lado. Nunca atrás, por vezes à frente. A brincadeira de que me tirou da sarjeta é como qualquer outra: carrega na essência a verdade que tentamos – de forma consciente ou não – amenizar, aliviar, reduzir ou adormecer.

Jamais ousei falar com você sobre sexo frágil. Posso ser relapso – como todo machista o é em relação às mulheres -, porém não me considero um sujeito estúpido (critério este que ajuda a decidir se merecemos ou não um voto de confiança). Falamos sim sobre nossas emoções e sentimentos, desenhamos e indicamos os muros que nos impedem de prosseguir, cientes de que os homens não costumam adotar tais posturas entre si. E eu desisti de tentar falar com eles.

Não ouso contar histórias da carochinha para te iludir de que posso fazer e acontecer, em todos os sentidos. Sou falho, erro em demasia, continuarei a cometer equívocos, mas juro que o mínimo que posso fazer é ouvir onde estão os escorregões e tentar não cair pelos mesmos motivos. Tentar é a promessa, até porque dói assumir e lutar não para repetir padrões de comportamento.

Não posso vender a terra prometida chamada “sabe tudo sobre mim”. Todos temos nossos esqueletos escondidos atrás das portas. Todos vestimos máscaras para não revelar as cicatrizes de nossos pecados. Todos vivemos em constante metamorfose de identidade. Este pacote complexo me dá o salvo conduto de ser verdadeiro em parte, principalmente porque somente conhecemos o limite de nós mesmos quando pisamos na fronteira. O horizonte de um machista em tratamento é tão fluído como qualquer outro, em remissão ou em surto.

Confesso que, diante de tantas promessas, ilusórias crenças e desempenhos discutíveis, um capítulo do nosso livro sei de cor e salteado. Nós somos três: eu, você e nós dois. Lembrando que, ler, decorar e saber onde está a saída não significam compreensão absoluta, absorção contínua e aplicação prática sem restrições. Dentro do confessionário, uma certeza: tentarei ser menos machista hoje, amanhã e sempre.

 

Comentários

Chrys Leite disse…
Machista em remissão é que nem o adicto que luta para se afastar do álcool. A luta é diária. Estou menos machista. Só por hije. Amanhã tem mais luta.
Daniele S. Gois disse…
👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
Carlos Roque disse…
A perspectiva de uma mudança drástica é o horizonte de uma farsa.