O homem medíocre (Crônicas de uma epidemia # 05)



Marcus Vinicius Batista

Hoje, testemunhei as palavras de um homem medíocre. Primeiro, por escrito, arrotando as certezas de quem enxerga somente um lado de uma moeda lisa. Depois, falando, bem vestido daquela propriedade retórica que confere a ele legitimidade social, a fama de autoridade em um único assunto. O assunto, para sua roda de amigos e pretensos sucessores.

O homem medíocre, muitas vezes, se esconde nos diplomas que decoram suas paredes. Ali, reza a cartilha de que certificados conferem a ele sensibilidade social. O engano se materializa além da teoria de mundo que o consagrou. A ilusão cresce a partir da negligência com os cenários além da janela dele, da cegueira absoluta diante das pessoas que cruzam seu caminho, dos universos que buscam um diálogo horizontal, mas são contemplados com um sermão do guru no pico da montanha.

O homem medíocre se considera importante. Ele não é relevante para os seus, colocados um degrau abaixo para venerá-lo. Ele valoriza aqueles que exigem que levante a cabeça, no limite da dor no pescoço, para alcançá-los. A mediocridade o obriga, na contradição de uma escolha própria, a se relacionar com posições, cargos, títulos, condecorações, com o tórax cheio de medalhas de quem mal pode balbuciar o nome.

O homem medíocre é dogmático. As certezas povoam suas reflexões, seus discursos, seus atos, seus olhares, seus julgamentos vorazes e definitivos de quem não se parece com ele. De quem nunca será como ele. De quem não se sentará ao seu lado, existirá apenas para servi-lo.

Todos seus pensamentos são exatos, matemáticos como a vida, uma equação, uma engrenagem sem purgatórios, limbos, pontos cegos, questionamentos ou incertezas. Sua doutrina é professoral, de cima para baixo, expositiva sem direito a perguntas.

O homem medíocre camufla a si mesmo como fraude. Ele comete o estelionato de negar suas escolhas. Por que haveria escolha se a mediocridade só apresenta um único caminho, o dele próprio? O homem medíocre se esconde nas próprias palavras, porém apavorado que alguém o desmascare na frase seguinte, que faça uma pergunta capciosa a ponto de ele gaguejar. Ele não permite, e tagarela com este objetivo, que se perceba o quanto está comprometido com quem venera, com quem o despreza enquanto se constitui como sonho de consumo. Ser propaganda enganosa tem dessas coisas: vendo com falsas garantias, sem jamais entregar a mercadoria.

O homem medíocre lapida sua própria figura pública, que elimina a lembrança do espelho tal qual o retrato de Dorian Gray. Seus valores foram se deteriorando na vida privada, de modo que prevalecem a imagem absoluta e seu inerente vazio. O homem público se agarra em meias verdades, em ângulos parciais de ciência para oferecer um linguajar oco de humanidade, mas repleto de palavras de efeito.

Eu morro de medo deste homem medíocre. Cedo ou tarde, com ou sem ajuda, consigo detectar sua presença. Minha repulsa rejeita a convivência. Meu radar não autoriza conflitos. Ele tende a ganhar, via rancor, via vingança, via maledicência. A única solução é escapar em silêncio, sem que ele fareje meu temor, sem que ele deguste meu dissabor.

Diante de um homem medíocre, meu único caminho é o afastamento. Às vezes, ele detém o micropoder. Mantenho distância segura, a prudência que me protege de respingos venenosos. Às vezes, ele cruza meu trajeto sem que saibamos – tanto eu quanto ele – o porquê. Aí, é mais fácil. Sempre há uma nova esquina na vida. A vantagem da encruzilhada é que sempre há o segundo caminho.


Comentários

Anônimo disse…
gostei deveras muito do texto e, gostaria de saber do autor, se ele traduz alguma similaridade vocabular entre o HOMEM que aponta e aquele referido por ORTEGA Y GAASSET , por volta do ano de 1927/30, no seu texto, " A Rebeliao das Massas". Obrigado acompanhado de um fraterno e apertado abraco...