O amigo do padre

Padre Cláudio Scherer
(Foto: Diocese de Santos)

Marcus Vinicius Batista

O padre explicava sobre a importância do casamento para Amanda e Felipe, o primeiro casal de noivos daquele final de tarde de sábado, na Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Santos. A fala era informal e bem-humorada até que ele subiu o tom um pouquinho.

— O casamento vale realmente para todos os momentos. Se ela está bonita hoje, você tem que achá-la bonita daqui a 50 anos. Vale para a doença também, inclusive na UTI, que depois gera até livro. Não é, Marcão?

Eu acenei com a bengala que me sustentava e olhei para Beth, minha esposa, que me perguntou:

— Ele conhece nosso livro? Ela se referia a “O Lobo, o Urso e a Cura”, que publicamos juntos, sobre a última crise de lúpus que a afligiu.

— O Cláudio não só conhece como leu.

O padre Cláudio Scherer continuou a cerimônia com uma pergunta para os noivos:

— Falando em livro, vocês conhecem o Marcão? Quem convidou o Marcão? Você? Você?, apontando para os noivos. Ele é gente boa!

Não pude ver as caras dos noivos, apenas perceber que balançavam a cabeça negativamente. Nunca tinham ouvido falar de mim. Dos meus lados, Beth e Lauro, meu sogro, davam risada. Não era primeira vez que Cláudio resolve se lembrar de mim em público. Assim o chamo, somente Cláudio, sem o peso da autoridade eclesiástica e com a permissão do próprio representante cristão, desde que nos conhecemos.

Naquele sábado, Cláudio havia passado por mim, me viu sentado, acenou e desapareceu na porta à direita do altar. Não dava tempo para o tradicional abraço entre nós.

Era a mesma cena, como da outra vez que eu testemunhara um casamento no mesmo lugar, há uns três anos. A diferença é que, naquela ocasião, ele retornou, com a roupa da cerimônia, para bater um papo de dois, três minutos, e se esqueceu de mim ao subir no altar.

Desta vez, a cerimônia não permitiu cerimônia alguma. Assim que todos se levantaram, ele foi direto:

— Marcão, é para se levantar!

Cláudio não tinha notado que eu estava de bengala e usava uma bota cirúrgica por causa de uma operação no pé esquerdo. Olhei para Beth, sorri sem graça e me levantei. Talvez devesse ter me preparado, já que não era a primeira vez que ele abria um canal-surpresa de diálogo.

No começo do ano, Cláudio me encontrou na colação de grau da minha turma de Psicologia. Eu estava na plateia, pois não me formaria com o grupo. Faltava a entrega do trabalho final. Cláudio, como Pró-reitor da Pastoral, presidia a cerimônia. Pouco antes de começar, ele me avisou: “você vai fazer discurso.”

Pelo sim, pelo não, sentei-me no canto, quase no fundo do salão. A patronesse falou; a oradora da turma, também. Todas as homenagens foram feitas, assim como o juramento profissional. Meus pecados não seriam percebidos.

Quando a colação de grau parecia terminar e Cláudio fazia o discurso de presidente da mesa, ele atravessou o salão e colocou o microfone na minha frente, com uma ordem seca, de duas palavras: “Fala, Marcão!”

Só me lembro de agradecer aos colegas, aos professores e de dizer duas ou três frases até gaguejar para segurar as lágrimas. Cláudio sorriu, voltou para a mesa em meio às palmas e encerrou a cerimônia.

Costumo encontrar Cláudio Scherer sem sustos uma vez por semana na universidade. Dependendo da pressa de cada um, conseguimos cumprir a liturgia de papear sobre as dificuldades atuais, o relacionamento com os alunos, a política atual. Conversa curta, menor do que o tempo de missa.

Nossa última prosa foi a exceção e aconteceu fora dos muros da universidade, numa segunda-feira. Política na pauta. Ele, saindo; eu, chegando para dar aulas. Eu assumo uma classe de Jornalismo depois dele.

Dividimos, há alguns anos, a disciplina de Ética e Legislação em Comunicação. Fico com os alunos da noite; ele, da manhã. O entrosamento para as aulas nunca demandou grandes reflexões sobre o céu e a terra.

A história de nossa amizade começou nas aulas de Ética, quando o vi em sala de aula e perguntei:

— Padre Cláudio, o que faz aqui, no sábado pela manhã?

— Vim assistir às suas aulas. Não é aula de Ética?

— É, mas o que faz aqui? Não tenho o que te ensinar.

— Tem sim. Sou padre e quero aprender Jornalismo. E Jornalismo é o que vai me ensinar, não?

O sotaque cantado de quem nasceu em Sarapiranga, no interior gaúcho, era mais acentuado. Na época, Cláudio, além de administrar uma paróquia e das atribuições da Diocese, fazia duas faculdades de forma simultânea: Jornalismo e Psicologia.

Convivemos uma vez por semana, por um ano. Dois anos depois, descubro que vou avaliar o Trabalho de Conclusão de Curso dele. Banca. Não me lembro, honestamente, o que disse a ele. Lembro-me de que o trabalho envolvia Ética e que, sem sacrifícios, confissões ou ares inquisitórios, a banca deu nota dez. O padre virava jornalista.

Cláudio Scherer, que já foi aluno, depois se transformou em colega e hoje é um amigo de várias horas, inclusive as das cerimônias públicas, só insiste em cometer uma heresia. Todas as vezes que me encontra na sala dos professores, ele repete para a Mara, funcionária amiga de ambos: “Que santo homem é esse!” Padre, quem nunca cometeu pecado...

Voltando à pergunta do altar: quem me convidou foram os próprios noivos, Amanda e Felipe. Eles nunca me viram. Só sorriram para mim na festa porque eu estava ao lado de Beth.

Beth é prima da Amanda e também nunca tinha visto o Felipe. Eu era o amigo do padre.

Comentários

Daniel disse…
Pe. Claúdio é demais....! Não porque esta acima ou se poe acima...mas porque é um cara muito pé no chão... com um currículo invejável e com uma capacidade de acolher as diferenças....

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