Adeus, Tarso! (Escritas do Cotidiano # 77)



Marcelo Oliveira*

Definitivamente o Tarso Wierdak, do Carnal Desire, não era da minha turma. Ele era mais velho, ele era grande, ele cantava berrando, ele curtia paradas sadomasoquistas, ele gostava de Metal e ele era punk quando o punk nem existia. Eu não era nada disso. A única coisa que eu tinha em comum com ele era o gosto por sexo e rock and roll, mas qual adolescente não tinha?

Mas muito mais que sexo, rock e birita, era impossível ficar indiferente ao Tarso debaixo das máscaras de sua persona artística: o sorriso desdentado, a simpatia refletida em conversas engraçadas que tínhamos no ônibus de Santos para São Paulo. Ou a vez que nos encontramos numa ocorrência que o PM Wierdak atendeu no bairro onde eu morava, na Capital, quando idiotas se machucaram explodindo fogos dentro de um carro.

Eu gostava muito mais do Tarso do que do Carnal Desire, banda fundada por ele em 1991 e que era uma grande tiração de sarro, que obteve relativo sucesso para uma banda independente e sem empresário. O auge pode ser medido pelas duas participações no Programa do Jô, em 2006 e 2008, esta última numa antológica entrevista de 16 minutos.

Mas Tarso tinha dois lados. Além de músico e autor de letras que só “pensavam naquilo”, como “Cookie é bom” e “Viagra”, ele também era policial militar. A entrevista de 2006, vista por policiais de todo o Brasil com bons olhos por mostrar que um homem da lei pode ser diferente da visão desumana, da máquina de matar criada pela ficção e pela crônica policial teve um impacto negativo em sua vida, que culminou num processo administrativo e em sua saída da corporação que fornecia o sustento dele, na prática.

Na entrevista de 2008, porém, a dualidade falou mais alto: “O rock tá no meu sangue, mas a Polícia Militar sempre vai estar no meu coração. E quem sabe um dia eu volte”. Todos sabemos: ele não voltou, apesar da luta judicial que travou. A primeira participação no Jô teve grande repercussão, aumentou a agenda de shows da banda, mas, dois anos depois, Tarso listou que pouco havia mudado: “A banda continua sem empresário e sem gravadora. Eu não virei ator da Globo e continuo tomando conhaque vagabundo”.

Depois da participação na TV em 2008, pouco mudou também, exceto as complicações causadas pelo diabetes, que levaram Tarso a uma internação. Uma situação desesperadora, em 2010. Quem o salvou naquela época foi o líder do Charlie Brown Jr, o Chorão.

Mesmo com o apoio da família e amigos, os problemas de saúde de Tarso se agravaram, resultando numa trombose, que levou à amputação de uma perna. Amigos correram para realizar um show no Valongo, com o objetivo de arrecadar dinheiro para o tratamento dele, mas não deu tempo. Novas complicações o levaram novamente a uma internação em São Vicente, onde morava, e ao enfarte fulminante.

Como toda pessoa com uma personalidade multifacetada, muitos vão lembrar de Tarso Wierdak como o artista no palco, vestido de preto, berrando putarias compreensíveis e incompreensíveis, outros lembrarão do PM Wierdak. Eu lembrarei de seu sorriso bonachão e de seu olhar sem preconceito e carinhoso. Vá em paz, amigo.

* Jornalista, (ex) músico e também com múltiplas personalidades. 

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