Menos Loba, mais feliz


Guilherme Azevedo - editor do jornal Ipiranga22 (São Paulo/SP) e idealizador da Casa Ipiranga22

Casal admirável, esse formado por Beth Soares e Marcus Vinicius Batista. É a expressão física, posto que espiritual, da tal (con)fusão oferecida pelo Amor. Quem era a Beth? Quem era o Marcus? A Beth punha as reticências, o Marcus vinha de exclamação. O Marcus punha o ponto, a Beth vinha com o ponto-e-vírgula. Afinal, quem é que fala agora? Ele ou ela?

Era a afamada experiência mística, vivida com tanta realidade, dos dois que se tornam um. Esse é o grande cume da montanha, que só lá se chega de mãos dadas.

O livro “O Lobo, o Urso e a Cura”, escrito a quatro mãos pelo casal, é o registro em papel dessa confluência, complementaridade e união para lá de espiritual, posto que carnal.

Ouvindo ora um, ora outro narrando a experiência com o Lúpus, a doença autoimune de Beth, não ficava dúvida do dois-em-um. O homem é o lobo do homem? Ah, nem sempre, e Beth frisou isso muito bem, pela voz de Marcus e vice-versa.

Marcus, de fora de um leito de UTI onde Beth morou por 21 dias, numa crise que quase a matou, era os olhos e as pernas da companheira acamada. E Beth, para enfrentar seu mal, deu a ele feição, focinho e uivo, lá no mundo de Alice das fantasias.

O Lobo bem poderia ser personagem de fábula repleta de ensinamentos durante e ao final. Se não podia ver o mundo, se descobria duramente a real possibilidade da interrupção abrupta da vida, até o reconhecimento mais que doloroso de que ela não era, não, não era insubstituível para ninguém. Nem para seu companheiro, nem para seus pais, nem seus amigos. A gente, descreveu Beth, é só insubstituível para a gente e ninguém mais.

O casal Guilherme Azevedo e Ingrid Francini

Se ela viajasse para além do Bojador, restaria alguma dor, que teria uma duração talvez longa, mas a vida de todos seguiria, ao cabo. Viver, como morrer, dói. Mas Beth estava pronta para viver questões difíceis, as mais assustadoras, como a de se descobrir vã, passageira, finita.

Acho que foi esse o grande aprendizado de Beth: romper com a arrogância e a prepotência de se julgar assim importante. E, a partir daí, tornar-se menos Loba de si mesma, menos cruel, mais humana, quem sabe, mais feliz.

Na Casa Ipiranga22, onde o casal lançou seu primeiro livro-(con)fusão, ficou nenhuma certeza de que Beth volta – e se volta, talvez a gente é que não esteja lá para recebê-la. Na lápide (minha? tua?), no vento, um imenso ponto de interrogação e só.



Triste? No atual nível de desapego e vaidade, ainda é.

Se a imagem, a fotografia é a antessala da morte, de pré-fantasmas, confira no álbum-reportagem fotográfica do lançamento de “O Lobo, o Urso e a Cura”, por Rogerio Albuquerque. Quem viver verá.

* As fotos foram feitas por André Argolo. 

Comentários