Andando com Chico Buarque (Um Gordo em Batalha # 4)



Marcus Vinicius Batista

Depois que resolvi mudar de estilo de vida, fiquei viciado em andar. Em outras palavras, mais realistas, passei a fazer exercícios regulares para controlar a pressão e o diabetes e perder peso. São, no mínimo, cinco quilômetros diários. Há dias que chego a 12 quilômetros de caminhada.

Gosto de andar por Santos, cidade onde vivo. Observar as ruas, modificar trajetos, descobrir novos lugares nos mesmos endereços. Ando pela manhã, quando retorno do trabalho; na hora do almoço, quando levo meu filho Vini na escola; e no final da noite, quando volto para casa da segunda jornada nas universidades onde leciono.

Caminhar é um momento de solidão, exceto na companhia do Vini, que me leva pelas mãos ao universo mágico de animes, mangás e games. Andar significa pensar sobre o dia, refletir sobre o próximo e tentar programá-lo, construir crônicas e reportagens na cabeça, mesmo sabendo que parte se perderá depois ou será reescrita. Este texto é um exemplo de metalinguagem bípede, caro leitor.

Caminhar é tomar decisões, autoanalisar comportamentos, avaliar sentimentos e relações humanas, costurar mentalmente os fatos, sejam positivos ou negativos. Enquanto os pés carregam e o corpo responde nos movimentos automáticos de um ritmo cada vez mais rápido (hoje, ultrapasso pessoas na rua), o cérebro me leva a outros endereços, numa velocidade que as pernas jamais sonhariam.

Andar pela cidade me presenteia com personagens, cenários, situações, uma fonte viva e dinâmica de combustível para a literatura, para desopilar minhas angústias, para redesenhar minhas emoções. As passadas me mostram também uma cidade de sombras, que muitos fingem não existir.

Quase todas as noites, caminho da Vila Mathias até o Embaré. É possível encontrar, inclusive em barracas, dezenas (sim, dezenas!) de moradores de rua. Alguns me reconhecem, trocamos boa noite e outras rápidas palavras. Muitos já estão dormindo.

Andar é minha forma de criar, mas penso bastante também quando tomo banho. E o Chico Buarque? Ele costuma dizer que anda quilômetros para aguçar a criatividade. Essa é nossa semelhança. Adoraria encontrá-lo na rua. Talvez perguntasse, sendo cínico, se o poeta também reflete embaixo do chuveiro.
         

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