Enfim, 17...



O primeiro campeonato de
futebol de botão

Marcus Vinicius Batista

Quando te marcam na vida, a ferro e amor em brasa, certas pessoas te permitem identificá-las por uma característica: a variedade de sentimentos. Tão importante quanto o que se sente por elas, é a habilidade que elas possuem de te presentear com experiências inéditas. É diferente, diga-se, das pessoas que testemunham ou te dão uma única vivência e desaparecem no acostamento da sua caminhada. O retrovisor as dá relevância, mas talvez sejam distintas porque não permanecem.

Você é uma máquina de primeiras experiências. Vivemos muito pela primeira vez, de modo que celebramos, erramos, corrigimos, andamos pelo fio do inédito, ignorantes de que assim o é e assim o será. Nunca pensamos a respeito. Levamos o dia seguinte, bem ou mal.

Quando ainda gritava para sair à luz e sequer sabia onde se encontrava, você me deu a sensação de amar no limite da dor física. Minha descrição é tão frágil quanto superficial, pois não consigo explicar, além de duas frases, o que senti quando soube que havia nascido, há exatos 17 anos. Ainda não tinha te visto e te amava tanto que contrai meus braços no abdômen enquanto sorria sozinho numa sala de espera.

Quatro anos depois, pernoitei em um hospital pela primeira vez, acompanhando uma menina que enfrentava uma virose – o diagnóstico oficial do desconhecimento clínico – e berrava contra a injeção às três da manhã. Passei no teste de resistência para novatos ao permanecer alerta a madrugada toda, sentado numa cadeira que mal se inclinava e observando um canal de TV sem som, com a missão de estar disposto pela manhã para dar aulas.

Doze anos depois, viveríamos situação parecida, na primeira noite após a sua primeira cirurgia, num hospital, em São Vicente. Uma cadeira de madeira, a luz do celular e um livro como kit de sobrevivência, ao lado de uma adolescente que, à própria revelia, se assemelhava ao homem da máscara de ferro e pouco conseguia beber água. Nariz quebrado, ajuda de amigos, a interrupção voluntária de uma carreira promissora no handebol escolar.

O esporte nos trouxe um leque de primeiras partidas, treinos, lesões, vitórias, derrotas, risadas, estímulos e espera...Os três anos assistindo aos treinos na escolinha de futebol, os seis minutos da estreia num campeonato misto de futsal, a única reclamação na escola por conta do machismo de pais e mães servido no cereal dos filhos mimados, o primeiro torneio de xadrez, a apresentação inicial e única da ginástica artística, a surpresa da garota iniciante na pelada entre adultos universitários numa praia de Santos.

Os esportes são um dos nossos pontos de contato até hoje, com a diferença de que passou a me ver dentro da quadra em torneios ou jogos de pré-idosos, torcendo, comentando e fazendo análises táticas dos companheiros. Agradeço por me poupar das palavras quando o desastre se esvaiu das mãos do velho goleiro.

Dizer obrigado é uma prática na nossa relação. Agradeço por me revelar suas angústias mais íntimas, diante do terror do preconceito, do julgamento e da repressão gritando na vizinhança. Agradeço por nos desculpar pelas falhas – imagino que a primeira vez em muitas coisas facilite o perdão -, causadas pela mágoa, pelo conflito, pelos muros que se erguem por outros ou por nós.

A gratidão está impregnada em outro ponto de contato. A chance de te ver leitora sólida, visceral na crítica social e política. A noite em que criei meu primeiro verso, numa letra de música sua. Relembrar os primeiros textos que escreveu sobre cultura pop, com a permissão que me deste para editá-los. A primeira apresentação como guitarrista, depois como baterista, depois como baterista de banda num teatro histórico, depois o primeiro festival de música, cujo rastro é um refrão grudado há dias nas cabeças que te zelam de perto.

São 17 anos de experiências. Um ano para ser presa, nas brincadeiras do absurdo. Mais um aniversário de primeiras voltas. Parabéns, Mari, do seu primeiro, único e um dia inédito pai. Um emprego vitalício do qual não posso me aposentar e jamais pedirei demissão.

Comentários

Cidinha Santos disse…
Lindo texto e merecida homenagem. Parabéns para a querida Mari e para o querido amigo Marcus!
Edwar Fonseca disse…
Que demais Marcão. Lembro do dia em que fomos presentear o nascimento da Mari, levando fraldas. Lembro que eu tinha uma máquina fotográfica, não era celular, fizemos uma self do "nosso tempo", velho goleiro. Você morava na Pedro Lessa se não me engano.
Paulo Coelho disse…
Querido amigo seus comentários me emocionam ... parabéns à Mari, certamente terá um futuro brilhante seguindo o exemplo de pai e homem que você é. PARABÉNS!!!!
Unknown disse…
Bela relação, poderosa redação. Parabéns!