A dieta da palavra (Um Gordo em Batalha # 3)


*** Texto publicado, originalmente, na revista Studio Box, n.56, segundo semestre de 2019. O tema da edição foi Body Positive.

Marcus Vinicius Batista

Vivo da palavra, que paga minhas contas todos os meses. Vivo pela palavra, que me aquieta a mente quando leio ou quando escrevo. Vivo, apesar do palavrório de muitos que banalizam ou tornam fútil o que dizem.

As palavras emagrecem? Se fossem medidas por calorias, as palavras nos tornariam um exército de criaturas esqueléticas, à beira de um colapso, tamanho desperdício num cenário onde se confunde digitar com escrever, falar com dizer. Como contradição, sabemos escolher – talvez acreditemos ser possível – palavras para mascarar preconceitos ou para exercitarmos uma falsa empatia ou ainda para não correr o risco de se expor como moralista.

As palavras engordam? Trocamos gordo por obeso, dentro do politicamente correto. Substituímos por fofinho, na intenção de sermos simpáticos. Usamos forte (ou fortinho, no inferno do diminutivo) para parecermos casuais. Falamos de nossos defeitos, quando os olhares indicam que o gordo em questão deve correr para a esteira mais próxima. Palavras mais leves, na verdade, incorporam quilos ao estigma.

As palavras pesam? Gordos devem parecer engraçados, espirituosos. Assim, utilizam suas banhas para o bem do outro, que se diverte e espanta o stress. Gordos parecem preguiçosos, pois – se estão acima do peso – falta a eles esforço suficiente para enxugar a barriga (outro desvio de vocabulário). Gordos não parecem, são doentes, já que quem os define assim usa a memória seletiva para dar aula sobre hipertensão, diabetes, problemas cardíacos como específicos de quem está pesado (nova tangente de linguagem), como se o “aluno” não soubesse. É gordo porque é ignorante.

As palavras alimentam? Elas podem ser como espelhos de circo. Distorcem, contorcem, retorcem, mas não escondem a essência, as intenções do que se pretende dizer. Numa época em que se persegue a imagem – e a subsequente aprovação alheia -, não dá para explicar a obsessão pelo corpo perfeito sem utilizar ... palavras. Elas pesam, nutrem, causam má digestão emocional. Palavras nos revelam e podem machucar.

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