A família das árvores gigantes

Da esquerda para direita: Altamir, Bárbara, Dona Zélia e Júnior

Júnior Landim

1 ano exatamente. Esse é o tempo que passou desde o meu reencontro com minha mãe biológica depois de 38 anos de minha adoção, quando eu tinha 6 meses de idade. Naquela véspera de Páscoa de 2018, eu embarcava num ônibus em Santos rumo à cidade de Juiz de Fora (MG), onde Zélia Maria Landim, minha mãe, vivia em uma casa terapêutica.

Junto comigo, viajava um coração batendo acelerado e uma cabeça mergulhada num turbilhão de pensamentos que não me deixaram pregar os olhos durante aquelas 11 horas de viagem.

Lá encontrei uma senhora de 66 anos com um olhar triste e um rosto de quem tinha apanhado muito da vida. Nossa conversa foi linda e profunda, voltei para Santos sabendo muito de mim e de meus antepassados e com algumas promessas feitas a minha mãe.

A principal delas: unir novamente nossa família, ou seja, convencer minha irmã Bárbara e meu irmão Altamir (ambos também adotados ainda bebês e hoje vivendo em cidades diferentes) a aceitarem Zélia como nossa Mãe. E que isso não anularia o papel das mães que nos criaram.

Muitas conversas de whatsapp, muitas lágrimas e muita reflexão, e o que era rocha foi se tornando flexível. O amor venceu. E no inesquecível 7 de setembro de 2018, tivemos nosso primeiro almoço de família, depois de um vácuo de 38 anos, na casa de minha irmã Bárbara, em São Vicente de Minas. Ali, tínhamos 4 gerações de uma família dando a oportunidade de se conhecerem e se cuidarem (em todos os aspectos).

Ao final daquele almoço, os filhos se comprometeram a tentar com todas as forças atender a um pedido de dona Zélia. Ela queria muito viver numa casa de repouso e sair do ambiente psiquiátrico, no qual estava há mais de 30 anos e nele sofrera todo tipo de violência física e emocional que NÃO se pode imaginar.

O tempo foi passando e a correria do cotidiano fez aquele calor do encontro se esfriar. O final do ano de 2018 chegou e praticamente nada havia mudado de fato. Nenhuma visita à dona Zélia, em Juiz de Fora, raras ligações e um coração apertado por mais uma vez estar sentindo os filhos sumirem.

Aí veio um momento de desespero dessa mãe, aliado à coragem. Uma visita ao banco de Juiz de Fora onde recebe sua aposentadoria, um táxi e lá estava dona Zélia novamente em São Vicente de Minas, a cerca de 2 horas de viagem, batendo na porta de sua filha Bárbara para pedir acolhimento.

Imaginem o susto que minha irmã tomou e, conseqüentemente, eu e Altamir via whatsapp. Três dias na casa da filha e muito trabalho para convencer aquela mãe a voltar para Juiz de Fora, pois minha irmã não tinha a menor condição de ficar com nossa mãe em sua casa naquela ocasião. Bárbara estava numa rotina alucinada de exames para marcar uma cirurgia auditiva devido a um sério problema que comprometia sua audição.

Essa fuga de nossa mãe foi o gatilho que nos impulsionou a agir, correr atrás de um lugar bacana para ela viver com a paz e tranqüilidade que, com certeza, ela nunca teve na vida.

Foi bonito demais ver os 3 irmãos criando grupo no whatsapp para se falarem diariamente e trocar ideias sobre as possibilidades e traçar um plano de ação. Muitas visitas, ligações, viagens de ônibus exaustivas de Bárbara para visitar algumas casas de repouso na Mantiqueira, muitos nãos. Mas não desistimos. Altamir, o filho mais velho, tomou a frente junto com sua esposa, Maria Altina (assistente social) e foram a Minduri conversar pessoalmente com o diretor da casa de repouso, que é uma referência no Sul de Minas. E o sim veio!!!!!

Veio exatamente um ano depois do meu primeiro encontro, naquela Páscoa inesquecível de 2018. Nesse mesmo momento, chegou a cirurgia tão desejada por minha irmã. E nesse mesmo momento percebo na fala de meu irmão a frase, ¨nossa mãe¨. Algo que parecia impronunciável na boca de Altamir. Um novo ciclo se inicia nessa família que junta seus cacos e cola pedacinho por pedacinho com muito esmero.

Eu, como grande apaixonado pela plantas, lembrei das Secóias gigantes (as maiores árvores do planeta) que um dia foram minúsculas sementes. Dentro dessa sementinha, já existe o gigantesco potencial daquela árvore colossal. Basta que essa semente encontre as condições ideais para a mágica acontecer: solo fértil (corações cheios de amor), água (muitas lágrimas nessa jornada) e calor (vindo da ação e vontade sermos família).

A mágica aconteceu, a semente do amor brotou e começa a crescer e um dia será uma majestosa árvore, como as Secóias.

Dedico esse texto a caminhantes nessa mesma jornada:

Zélia Maria Landim (mãe biológica)

Maria Aparecida de Sousa (mãe de alma)

Bárbara (mana)

Altamir (mano)

Renata (minha esposa)

Maria Altina (esposa de Altamir)

Bidu (marido de Bárbara)

Comentários

Unknown disse…
Oi Júnior gostei demais. Primeiro por se tratar de uma história real, a sua história, tão cheia de ansiedades e amor. Segundo, pela forma do relato. Muito bem escrito. Agora vc se torna mais meu amigo. Abraço.

Obrigada
Unknown disse…
Oi Júnior gostei demais. Primeiro por se tratar de uma história real, a sua história, tão cheia de ansiedades e amor. Segundo, pela forma do relato. Muito bem escrito. Agora vc se torna mais meu amigo. Abraço.

Obrigada

Luciana Ferreira disse…
Cheio de sensibilidade e beleza, o texto e a nova história traçada. Parabens a todos por essa "agricultura". Abraço
Adriano disse…
Caro primo fico muito emocionado (que relato lindo) e feliz por ti. Impressionante o que a vida nos reserva e como o amor de Deus se manifesta de formas distintas, mas sempre maravilhoso.

Um grande abraço

Adriano
Renata disse…
Em cada etapa dessa história, sempre me emociono profundamente com o universo interior de dona Zélia. A vida maltratou, negligenciou, esqueceu. Mas Zélia persiste! Uma pequena pontinha de esperança faz despertar dentro dela um espírito que acredita e quer mais da vida. Que grande lição nos dá Zélia. Você, Júnior, segue com a mesma fibra, persistindo com amor e compreensão, pacientemente desatando os nós desse emaranhado e agregando pessoas. Tenho certeza de que a história está só começando.
Unknown disse…
Que Deus acompanhe essa jornada.