Marcus Vinicius Batista
Ao longo de uma viagem para a casa de amigos em Curitiba, a estratégia começou a se desenhar. Alguma medida precisa ser tomada, pois se tornou impossível negar o que estourava aos olhos e sobre a calça. Em 2018, tive que me esconder em trincheiras hospitalares enquanto testemunhava a terra arrasada que se transformara minha saúde. Só conseguia apagar os incêndios, o inimigo (eu) avançava e via destroços por todos os cantos. Muitas frentes, poucos combates vencidos. Era fundamental me render aos fatos.
Em Curitiba, a bomba H atingiu o chão. Na verdade, era uma pequena granada de mão, de efeito mínimo, porém simbólica para o que acontecia. Uma bolha no pé esquerdo, que insistia em não cicatrizar. Duas semanas de curativos, pomadas e pouca dor. Ali estava o problema: pouca dor. O oposto do que se esperava, a luz vermelha acompanhada do som ensurdecedor de evacuação.
A água que transbordava me fazia pensar no buraco sem fundo em que me metera. O fechamento de portas para balanço apontava uma encruzilhada. Ou mudava a administração ou pedia falência e caminhava para minha própria demissão desta jornada. Sou gordo metade da minha vida e isso colocava em alto risco a segunda metade dela.
Pressão alta, diabetes descontrolada como crack da Bolsa de Valores, todos os exames clínicos elevados, a demora para curar uma bolha nos pés, fruto de futebol, o condicionamento físico de ex-jogador de pelada de casados e solteiros, uma internação de oito dias por infecção bacteriana, câimbras durante a madrugada por causa de qualquer exercício básico, o excessivo consumo de água e a sobrecarga dos rins e dores de cabeça constantes por abuso do fígado. A lista de supermercado me dava ares de rock star em processo de autodestruição, só que sem o glamour dos programas de celebridades, das capas de revistas e das biografias elogiosas e autorizadas.
Ao voltar para Santos, assinei a declaração de guerra. Primeiro ato patriótico: suspender por completo o maior emissor de fogo amigo, o refrigerante, o prazer perverso, quase fetiche de cor negra. O “chorume do capitalismo”, como bem definiu o filho de um grande amigo, merece um texto à parte.
Depois, a medida seguinte implicava em tomar ciência do tamanho dos danos e da dimensão dos estragos na estrutura, vulgo corpo. Uma junta de generais médicos saiu da reserva – todos aposentados da minha condição clínica, claro – para elaborar um cronograma de combate. Nada Napoleônico, nada romano, nada fora do óbvio. Apenas os atos emergenciais, conhecidos por todos (e até então, por conveniência e sem vergonhice) e ignorados por mim.
Entramos em obras. Quatro médicos diferentes em 30 dias. Quase fui escolhido como funcionário do mês, já que dava expediente na clínica todas as tardes. A paciência para ouvir as recomendações, fazer os primeiros exames e ouvir as advertências compunham o rol de consequências da Lei Marcial em vigência. Os exercícios físicos viraram cultos religiosos, com dia e hora marcadas, respeito à liturgia mais a metamorfose da palavra do mestre-guru-treinador em dogma.
Minha casa passou por um processo de defumação alimentar. Todos os encostos nutricionais foram limpos do ambiente. As frutas, verduras e legumes ressuscitaram ao além-plano. Os produtos industrializados gritaram de dor e desapareceram em sessões de exorcismo na geladeira e nos armários da cozinha. Ou mudava de religião ou encontraria sabe-se lá quem do outro lado em poucos anos.
Escrevo este texto depois de dois meses do meu Pearl Harbor, hoje bem mais tranquilo, com alterações emocionais e físicas em novo rumo. As bombas químicas, os remédios, caíram pela metade neste solo ainda em alerta, ainda em combate, incapaz de cessar-fogo.
Os resultados já representam as mudanças, reavaliadas todos os dias. Os números entraram no contexto adequado, com a consciência de um caminho longo, porém contínuo. Quais números? Em outro texto. Gordos adoram números. Nós os manipulamos melhor do que qualquer estatístico ou analista de guerra.
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