Meus colegas, Psicólogos



Marcus Vinicius Batista

Foram três anos de convivência, anos em que construí a convicção de derrubar certezas, cultivar dúvidas, trabalhar junto, dividir, concordar, divergir em progressão aritmética de diversidade. Muitos com idade para serem meus filhos. Só idade biológica, diga-se. Todos com iniciativa para a construção de uma relação horizontal, na qual meu papel ali se dizia cada vez mais cristalino, o de colocar a Psicologia na prateleira mais elevada do meu caminho na universidade. Mudar e ignorar o comodismo que pode ocorrer depois de 26 anos andando nestes prédios.

A Psicologia me deu a chance de compreender o quanto somos passíveis de erro, o quanto somos mutantes, o quanto nossas identidades se refizeram, passo a passo, com aulas, conversas, trabalhos, jogos de futebol, cafés e demais ingredientes que compuseram o ritual de aluno pela enésima vez em minha vida. Não é destino, é escolha consciente.

Estar na mesma sala que vocês, algumas vezes por semana, serviu para reforçar a necessidade de avaliar, analisar de forma constante o que fazíamos naquele endereço, até onde poderíamos ir, como deveríamos observar – sem garantias de visão completa – qual rumo escolher para abraçar este ofício com decência, dignidade e responsabilidade contínuas.

Escolher novamente uma estrada distinta me fez lutar para me importar com o outro como premissa elementar, ainda que isso significasse espancar a vaidade e domar o egoísmo que a todos contamina no ambiente acadêmico. Ver-se diante de alguém que sofre e que precisa sair diferente de como entrou é vital para sacudir qualquer um de nós.

Compartilhar três anos de vida com vocês, meus colegas, me presenteou com algumas lições que talvez não tivesse absorvido – ou pelo menos tentado -, caso optasse por permanecer no trajeto com menos congestionamentos e obstáculos.

Aprendi, por exemplo, que jamais devemos presumir o posicionamento alheio. Ouvir, perguntar, detalhar e, inclusive, questionar são mais do que verbos diluídos em conceitos teóricos ou questões que fluem em debates pedagógicos. Todos eles fazem parte do kit de primeiros-socorros da nossa relação com o outro.

Não podemos também – mesmo que socialmente seja interessante nos classificarmos – nos algemar num livro só. A escravidão de um único teórico, além de nos conectar a um guru, e não a um mestre, nos cega a ponto de não percebermos quando caímos na tentação de encaixar o outro numa linha. A melhor postura para aliviar o sofrimento é justamente o oposto.

Tenhamos medo. Sempre. Jamais tenhamos pânico. O medo é inerente a cada atendimento, cada processo de escuta, cada intervenção. O medo nos conduz ao estado de alerta necessário para que escolhamos cada palavra, a matéria-prima que nos faz importantes, diante de alguém que deseja mudanças. O pânico é paralisante e traumático, esconde tudo o que aprendemos, tranca nossa caixa de brinquedos e a transforma numa caixa de ferramentas que ignora a imaginação e a criatividade.

Ser psicólogo é, como qualquer ofício, um exercício contínuo do caráter. Esta lição não mora em biblioteca alguma, em nenhum professor, não aparece nas resoluções dos conselhos. Busquemos dentro de nós mesmos, como premissa essencial para levarmos alívio e perspectivas a quem se vê sem horizonte.

O caráter, aprendemos ali com alguns, nunca está sozinho. Ele vem de mãos dadas com sensibilidade e Ética, características mais importantes do que conhecimento acadêmico, teorias, linhas e diploma como pedaço de papel em couro de carneiro. Todas, aliás, são placebos sem sensibilidade e Ética. Estes, mais caráter, são a mola que nos prende ao chão e também nos permite saltar, conscientes de que somos limitados, falíveis, humanos.

Ao contrário do que prega o mundo acelerado e por vezes superficial que a tantos machuca, aprendi também que devemos gostar das sombras. Psicólogos devem ser alérgicos a holofotes, devem trabalhar nos bastidores, costurar acolhimento e alívio como formigas, sem autoria, sem grife. Assim, que rejeitemos as receitas de métodos infalíveis, de técnicas milagrosas, de palavrinhas mágicas que pulam nas bocas dos charlatães. Não há receita para a individualidade alheia nem para a nossa subjetividade.

Somos frágeis e, por isso, jamais devemos prometer a cura. Ela é tão ilusória quanto o Complexo de Deus que pode nos acometer. Esta lição, fortificada pelo convívio com a diversidade, nos indica regar a dúvida em nós mesmos, gostar de gente, questionar a prioridade do dinheiro, do material, do caminho mais rápido para o sucesso, conceito tão vago quanto a primeira aula de uma teoria inédita para nossos ouvidos.

Com vocês, consegui - no deserto das dúvidas – alcançar uma certeza. Lutemos contra a cultura do não-estudo. Psicologia é importante demais para abrirmos mão da excelência, da preparação diária, das indagações sobre nossas decisões. Por mais que pareçam básicas ou pequenas, cada movimento é premissa de um amanhã mais claro para quem sofre.

Agradeço, com franqueza, pelo convívio e espero que possamos nos reencontrar, sem notas, provas, trabalhos, tarefas em geral. O reencontro para aprender mais um pouco, o prolongamento de três anos que me deram motivação para pavimentar um novo caminho que se desenhou para mim.

Muito obrigado, meus colegas, Psicólogos.

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