O tiozão e o moleque (Escritas do Cotidiano # 14)


Maykon Souza*

Vinha pela ciclovia quando vi um grupo de cinco estudantes tentando atravessar na faixa. Uns 15 anos, mais ou menos. Reduzi, parei e fiz sinal pra eles passarem; me achei o máximo. Puta cara consciente, que respeita o direito dos outros, pratica a cortesia…

Quanta baboseira. Antes de atravessar, um dos meninos olhou pra mim, feliz da vida e cravou uma faca no meu peito: “Valeu, tiozão”.

Se eu tivesse um trator, em vez de uma bicicleta…

Quando adolescente, eu também chamava os velhos de tiozão, mas eram os velhos e não alguém só com alguns anos a mais, como queria acreditar que era o meu caso. Eu e meus amigos tínhamos um critério. Antes do tiozão – barba branca e calvo – vinha o tio, que era apenas um cara mais velho. É nesse grupo que eu reivindicava mentalmente minha inclusão, enquanto observava a passagem daqueles garotos que não sabiam o que diziam. Juventude sem limite! Sem critérios!

Passei a pedalar forte pra tentar deixar pra trás a melancolia que subiu na garupa e colocou as duas mãozinhas no meu ombro. E se aqueles desajustados estivessem certos? A cada movimento, me lembrava das vezes em que me adiantei para acender a churrasqueira, de todos os sapatênis que coloquei sem meia e das tentativas de piadas e trocadilhos infames com o sobrenome das pessoas. Piadas que nem a Beth Faria.

Não sei se cheguei às tais 88 milhas por hora, capazes de gerar 1,21 gigawatts recomendados no filme “De Volta para o Futuro”, mas o fato é que uma viagem no tempo se deu em plena ciclovia. Em vez de um DeLorean, uma magrela preta com os aros enferrujados e a pintura descascando. Atravessava a avenida, a uns 30, 40 por hora, quando o semáforo fechou. Não tinha como frear e quase entrei com o guidão na barriga de um sujeito que iniciava a travessia da faixa de pedestres.

Duas pessoas atrás dele se assustaram e reagiram. Uma gritou: “pra que isso? A outra me fez ganhar o dia, gritando um sonoro, retumbante e rejuvenescedor: “Seu moleque!!!”.

Descobri a chave para a juventude eterna! Chupa, Dorian Gray! É só eu continuar distraído, fazendo besteiras por aí que a coisa vai andar bem pro meu lado. Em vez da melancolia do tiozão que começa a usar boné pra esconder a careca, levarei um espírito de Peter Pan na garupa e minha vida parecerá uma eterna propaganda de Guaraná ou um capítulo de Malhação.

Não consegui me iludir por muito tempo. Logo entendi que há uma faixa de idade restrita em que essa viagem no tempo é possível. Uma linha tênue, na qual você pode ser o que quiser. Está ali entre os 30 e os 40. Pode se estender aos 45, com alguma sorte.

É uma época em que você ainda convence tanto no papel de um filho quanto no de pai. Se eu tivesse 60, por exemplo, não teria jeito. Gritariam: um velho dessa idade agindo como um moleque.

Não é o caso: aos 37, eu ainda posso ser acusado de ser um garoto fanfarrão em plena ciclovia! Penso em estender essa fase o máximo que conseguir. Para isso, talvez eu precise parar com as piadas sem graça, deixar de fazer paródias para todas as músicas que escuto e abrir mão de comandar a churrasqueira, o que, confesso, tem sido cada vez mais difícil. Quer coisa mais tiozão?

Sigo lutando e, por via das dúvidas, vou evitar parar em faixas de pedestres daqui pra frente e torcer para ouvir mais vezes um “Seu moleque” gritado aos quatro ventos e que chegará como música aos meus ouvidos.

* Crônica que nasceu do módulo Escritas do Cotidiano, do curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos.

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