O padrão (Escritas do Cotidiano # 15)




Diego Brígido*

Entrou ofegante, bateu a porta e deixou o ombro cair com todo o peso daquele dia ingrato sobre o corpo já de meia idade. Tinha sido mais um dia difícil, mas ali ele estava a salvo. Era como se nada o pudesse atingir. Em casa.

Largou a bolsa sobre a mesa de jantar, serviu-se de uma taça de vinho, sentou na poltrona marrom de sempre e acariciou George, o gato, seu companheiro de todos os dias e o único ser em quem ele confiava. O mundo não era justo lá fora. O mundo era ainda menos justo para aqueles que não se encaixavam nos padrões que sabe-se lá quem definiu.

Ele era um desses que não se encaixavam nos padrões que sabe-se lá quem definiu. Apesar de ter uma casa, uma poltrona marrom, uma taça de vinho e George, o gato, há tempos não sentia que tinha motivos para ser grato. Estava cansado de ter que inventar desculpas e escapar das conversas padrões. Assuntos que sabe-se lá quem definiu como padrões.

O Campeonato Paulista, não-sei-quantos-cavalos-de-potência, o aumento na mensalidade da escola dos filhos e a bunda daquela atriz na minissérie. Era como se ele não pertencesse àquele mundo que sabe-se lá quem definiu como padrão. Ali, na cadeira marrom, com a taça de vinho e George, o gato, ele estava seguro.

O dia seguinte seria sexta-feira, menos mal porque ele teria dois dias de descanso daquelas conversas de escritório que, bem, sabe-se lá. Os finais de semana costumavam ser melhores porque ele não precisava fugir dos almoços coletivos, dos cafezinhos no meio da tarde para falar do belo rabo da doutora Salete e dos emails internos com piadas que sabe-se lá quem disse que eram engraçadas.

Ainda havia um desafio: uma nova desculpa para escapar do Happy Hour tradicional de sexta-feira. O mundo lá fora era realmente injusto para aqueles que fugiam dos padrões. O interfone tocou, era a pizza. Mas ele não havia pedido pizza, não naquela quinta.

— Mas o senhor sempre pede pizza às quintas. Meia mussarela, meia calabresa - alegou o entregador.

É verdade, ele pensou. Sem perceber, a pizza da quinta, precedida da taça de vinho, para brindar a chegada do final de semana, tinha se tornado padrão. Ele não aguentava mais os padrões. Aquele padrão, particularmente, ele podia mudar.

Mandou o entregador ir embora com a pizza padrão, foi tomar um banho, escolheu o look mais descolado, passou o perfume novo, ligou para Daniel e pediu que descesse em vinte minutos.

— Hoje é quinta, nós nunca nos vemos às quintas. E você nunca me pega em casa.

—É verdade, nós nunca nos vemos às quintas, eu sempre o pego na esquina da sua casa e sabe-se lá quem definiu estes padrões.

— Você, afirmou, categórico,Daniel.

— É que o mundo é muito injusto lá fora.

* Crônica que nasceu do módulo Escritas do Cotidiano, do curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos.

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