Conversando com Nelson


Daniel Venegas

— Toca, toca e ninguém atende!

A esposa sugere:

— Tenta novamente aquele outro número!

— Que número?

— Aquele para as regiões metropolitanas.

O marido está tenso.

— Mas é esse que eu estou tentando!

— Então tenta o outro!

— Que outro? Pelamor de Deus, Andréia!

— Olha, Arnaldo! Se for para você ficar irritado e começar a blasfemar contra o universo das adversidades que assolam a tua vida, você pode deixar, que.....

O marido a interrompe.

— Atendeu, atendeu!

...........................Tãn nanãn nanãn nanãn nanãnnnanãnnn................................. nanãnnnãnannn.........panãnanannn.... panãnanamm ...............

— Por que raios tocam Beethoven nestas operadoras?

15 minutos depois, a voz do atendente:

— Atendimento ao consumidor, Nelson, bom dia, um minuto por favor!

— Mas... alô, Alô, ALÔ, ALOOUUU!

Princípio de ataque. Sujeito começa a tremer por dentro, a deglutição torna-se impossível, começa a babar.

— Arnaldo? Arnaldo, você está me ouvindo? Arnaldo, o que foi? Arnaldo, fala alguma coisa!

— O atendente pediu para aguardar!

— Ah! Arnaldo! Faisfavor, quê que é isso?

5 minutos mais tarde.

— Serviço de atendimento ao consumidor; Nelson, em que posso ajudar?

— Nelson, aqui quem fala é o Arnaldo e, eu estou sem Tv à Cabo, sem internet, sem telefone fixo desde às sete da manhã.

— Ok, senhor! Para a sua segurança, eu vou precisar estar confirmando alguns dados. O senhor é o titular do plano?

— Não. A titular é minha esposa.

— Ok, senhor! Vou precisar do CPF, do RG e do número do cliente que consta na parte superior esquerda de sua fatura.
O cliente respira fundo. Depois de despejar todo o conteúdo da bolsa da mulher em cima do sofá, esbarra no aparador e derruba o vaso de antúrios. Entretanto, começa a sorrir com a fatura da TV e os documentos da mulher em mãos.

— Dados cadastrais confirmados.

— Em que posso ajudar, senhor?

— Então, é Nelson seu nome, né?

— Sim. Nelson Santana do Livramento.

Do Livramento? Sujeito acredita ser um sinal e abre o coração.

—Então, Nelson, como eu disse a você, eu sou cliente da empresa, nunca atraso o pagamento e não sou de reclamar "por nada": Acontece que eu estou sem internet, sem TV a cabo e sem telefone fixo desde às sete da manhã.

O atendente verifica o quadro de chamadas e percebe que "ainda" são 7:40.

— Senhor? Daonde o senhor está falando?

— Do celular! EU ESTOU FALANDO DO CELULAR! Pois como eu disse a você, estou sem internet, sem TV e sem telefone fixo desde às sete da manhã!

—Senhor? Refiro-me a localização espacial!

Sujeito arranca os cabelos do cocoroto e usa o diafragma novamente.

— Nelson, você é astronauta ou atendente da companhia? Que papo é esse de espaço? Por favor, presta atenção! Eu estou sem internet!

Pequena pausa. sujeito se redime.

— Olha, Nelson, eu sei que é difícil, você não tem culpa. Essa batalha diária do dia a dia, esse cotidiano de contas, trabalho, filhos, esposa. A PEC 270, a reforma trabalhista, o preço do mercado, o Willian Bonner, a Anita, enfim! Nelson, presta atenção! Eu estou do teu lado, eu entendo você, eu quero ajudar você, eu quero compreender você, a sua família, os seus problemas. Nelson, eu estou aqui por você. Mas, para eu poder te ajudar, eu preciso da internet!

Neste momento, o atendente muda da página 35 para 36 do livro de regras do bom atendente.

— Sim, senhor, eu entendo, queremos resolver o problema: podemos agendar uma visita técnica?

— Sim, sim..., claro!

— Olha, Nelson, obrigado, obrigado mesmo, não vou esquecer de você. Estou por aqui até o meio dia.

— Senhor, só temos horário para visita técnica no meio da semana que vem, às dez!
Sujeito se estapeia para ter a certeza de que não está sonhando.

— Meu bem, não faça isso, o Arnaldinho está vendo!

uuuuuuuuuummmmmmmmmmffffffffff !!!!!!!

— Olha, Nelson, Nelson? Nelson, você está aí? Nelson??!!

tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu

A ligação cai por excesso de tempo. Sujeito morre de ataque na frente do filho. Do outro lado, o atendente:

— Serviço de atendimento ao consumidor, Nelson, bom dia!

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