As dores que nos unem (Escritas do Cotidiano # 17)


Taynah Spinola*

Eu estou com dor!, gritava a mulher ali no chão sentada, em um lugar que incomoda. Em meio às lojas, em pleno coração do Gonzaga, alguém estava ali, logo na manhã de um sábado expondo com peito aberto suas dores. 

Não expunha para quem quisesse ouvir, era pra qualquer um mesmo. Qualquer um que ali passasse ouviria seu clamor. Quisesse ignorar fingindo um gesto desapercebido, poderia, mas o que ressoava de sua voz lamuriante já era suficiente para nos deixar abalados, nos impor o conflito, independentemente da reação que teríamos.

Tentei passar despercebida. Deixar meus sofrimentos entorpecidos é muito do que eu quero em um sábado de manhã. Mas logo veio o chamado:  "Moça!"  Outra vez: "Moça!" 

Não pude evitar. Era pra mim aquele chamado. Maria da Graça era seu nome, queria um Dorflex. 

"Não pode ser outro", recomendou ela para mim. 

"Os outros não fazem efeito", justificou o pedido.

Fiquei ali por uns poucos minutos conversando com aquela mulher e, quando ela falava, o que se ouvia vinha lá de dentro, no âmago do sofrimento humano encarnado. Naquele momento, sofremos juntas as dores do mundo, eu com minha vida física confortável e meus sofrimentos existenciais, e ela precisando exigir aos berros uma mínima dignidade de poder entorpecer suas dores de uma vida severa e dura que lhe fora dada para viver. Por um breve instante, nós nos unimos, pudemos acolher o sofrimento uma da outra mutuamente.

Pensei nela por muitos dias, achei a fosse encontrar outras vezes por ali, onde passo quase todo sábado de manhã, mas isso não aconteceu. Talvez eu nem a reconhecesse e muito menos ela a mim. Naquele sábado, nós não nos conhecemos pelos os olhos das aparências, mas com os olhos do coração.

* Crônica que nasceu do módulo Escritas do Cotidiano, no curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos. 

Comentários

PFShalon disse…
É isto aí, parabéns.