Vicente e o bacalhau (Escritas do Cotidiano # 7)


Luiz Costa*


Alto ou baixo, gordo ou magro, nem sei, inesquecível era o sorriso habitual que tirava a seriedade do bigode.

Sorriso que, de longe, anunciava sua chegada. Dia ou noite, no trabalho nos bondes da Cia. City ou de folga.

Seus braços não pegavam, envolviam. Sua voz era a calma de mãos dadas com a alegria.

Ajeitava-se bem entre homens, mulheres ou crianças, dividindo seu tempo nos minutos e proximidade necessárias.

Combinava muito bem com a cerveja gelada, que criava em seu rosto imagens de êxtase e as azeitonas temperadas e os azeites delicadamente absorvidos pelo pão quente da padaria do seu Albano.

Albano, Zé da Ponte, Serafim, Anacleto, todos tão familiares pelas histórias contadas. De pescarias, aqui no Gonzaga ou canal 2, quando vinham carregados de balaios explodindo camarões, ou das idas à “Ulrico Mursa”, torcer pela Briosa, rever outros lusos e lambuzar os dedos com os tremoços de D. Maria.

Na mercearia do Serafim, a confraria se reunia à noite e lá eram tratados os mais variados assuntos, indo de coisas do bairro e da cidade, temas da moral e dos costumes e - por que não? - também da política ianque e comunista.

As portas, muitas vezes, eram arriadas, mas dentro começava um mutirão que preparava bacalhoadas, peixes, cozidos, assados que só se apuravam no começo da madrugada. Sem levar em conta dia e hora, corriam todos às famílias para trazê-los ao banquete.

Aos que falavam do absurdo, sua resposta era sempre a mesma:

— É agora que o bacalhau está a nos chamar de tão apetitoso. Amanhã sem ele, dorme-se mais!

Os adultos na calada da noite, envolvidos com as iguarias, nem sabiam que as crianças entre sacos de cereais e caixas de verduras e frutas arregalavam os olhos sonolentos e se fartavam de doces e refrigerantes.

Vicente nunca perdeu um dia de trabalho ou teve atrasos. Não tinha vizinhos, e sim amigos. Diariamente, no horário de almoço ou no fim do expediente, passava pela casa dos três filhos. Cabia tudo num só dia.

Não era sua voz e sim suas gargalhadas que preenchiam a casa.

Que saudade, vô!

* Crônica que nasceu do módulo Escritas do Cotidiano, no curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos. 

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