Os três porquinhos estão motivados


Marcus Vinicius Batista

O lobo mau tem bom coração. Perdoe-me pelo clichê, mas - nesta fábula da vida moderna que vai ler agora - todos vivem de frases feitas, exceto o personagem principal. O lobo mau vive a maior parte do seu tempo numa casa de tijolos, bem estruturada, bem decorada e resistente aos sopros alheios.

Na fábula dos tempos modernos de Chaplin, o lobo mau – assim como a maioria dos personagens – precisa ganhar a vida, pagar contas, manter uma família. Sua casa é seu trabalho; no caso dele, seu comércio, uma fortaleza criativa, fruto de muito suor ao longo de quatro anos, mais uma década e meia como vendedor. Na Disneylândia caiçara, o lobo mau vende sonhos por meio de um cardápio incomum, temperado com histórias bem contadas pelo protagonista.

O lobo decidiu, há menos de um mês, seguir seus instintos. Colocou as garras de fora e começou a riscar uma lousa verde. Todos os dias, ele arranha e deixa como cicatrizes frases de efeito, relacionadas com a refeição que serve aos fregueses. Sempre carne ou frango, nada de vovozinha ao molho pardo.

Os escritos saíram da literatura que ocupa as estantes do seu comércio, da poesia que habita a cabeça dele e de sugestões de amigos. O sucesso foi tanto que trouxe gente até de outras histórias, mas três visitas o deixaram incomodado: os porquinhos. Três!!! Veio um da cada vez, todos interessados em derrubar a casa do lobo.

O primeiro porquinho entrou para almoçar. Ele estava bem vestido, de camisa social para dentro da calça, sapatos lustrados, agenda numa das mãos; celular, na outra. Sentou-se, pediu a refeição do dia. Acomodou-se de maneira preguiçosa. Não demonstrou pressa ao comer, justamente porque esperava o restaurante do lobo esvaziar um pouco e, desta maneira, aproximar-se dele.

Na hora do cafezinho, o porquinho chamou o lobo e comentou:

— Lobo, excelente a sua casa. Você é muito talentoso, vi a sua lousa, experimentei sua comida e estou encantado.

— Muito obrigado, Porquinho.

— Olha, Lobo, você é um cara diferenciado, pró-ativo, com muita empatia. Mas eu posso te dar a receita do sucesso. Eu posso te levar pelas trilhas do sucesso. Já assessorei várias pessoas e todas elas subiram mais alto na vida do que o João.

— João?

— Aquele do pé de feijão. Desculpe a rima, mas pegue meu cartão. Vamos marcar uma reunião?

— Olha, Porquinho, não quero uma reunião, nem com rima pobre. Minha poesia é mais profunda. Não quero escalar árvore nenhuma, exceto aquelas com frutas no interior, nas minhas férias, lá na casa da minha mãe.

Por educação, o Lobo pegou um cartão de visita do Porquinho, com dizeres em inglês, para parecer mais sofisticado e enganar o leitor. O Porquinho se despediu e seguiu seu caminho.

No mesmo dia, mais perto do final da tarde, apareceu o segundo Porquinho. Ele era menos preguiçoso do que o colega, era visto como eficiente, mas faltava ao sujeito, dizem as bruxas que sempre aparecem nas narrativas, um ar de feiticeiro que seduzisse suas vítimas. Uma maçã!

O Porquinho Segundo se vestia do mesmo jeito que o colega. Pareciam irmãos tamanha a semelhança na aparência, na vaidade, nos mecanismos de sedução. Agenda e celular a postos para seduzir o velho Lobo.

O Porquinho experimentou o pão de queijo dos causos caipiras de Minas, tomou o cafezinho na temperatura e sabor ideais e chamou o Lobo:

— Lobo, fantástico seu restaurante. Fantástico! Soube deste lugar pelas lousas que você escreve. Que lugar mágico! Você precisa de uma assessoria, de alguém para te levar a uma terra como Oz.

O Lobo respirou, olhou para o sujeito, sabia que o camarada tinha falido uma empresa em outro tipo de fábula e disse:

— Amigo, eu sou isso aqui. O espaço sou eu. Não preciso nem quero me mudar neste momento.

— Você não entendeu, Lobo. Perdoe a insistência. Com minha ajuda, você vai crescer. Você vai comigo para Alphaville. (Um parênteses do narrador: na fábula moderna ou na crença picareta do segundo porco, Alphaville é mais importante do que os três desejos da lâmpada de Aladim juntos!)

— Alphaville, por que eu gostaria de morar lá? Posso te fazer uma pergunta: você já colocou a mão em bosta de vaca?

O Porquinho engoliu o sorriso, fez cara de não ter entendido e esperou que o Lobo explicasse. Ele, claro, atendeu às expectativas do Porquinho.

— Olha, Porquinho, eu sou um selvagem. Vim da floresta. Vivo perto e cercado de bichos. Antes que me diga, não preciso de uma reunião, de cursos de final de semana, de metas fantasiosas, receitas de varinha de condão. Aqui é minha casa e estou muito bem nela.

O segundo Porquinho, mais apressado do que o anterior, se levantou, deu ao Lobo o cartão de visita, sorriu, elogiou novamente a lousa, bufou baixinho, sem mexer uma parede, e saiu porta afora.

No dia seguinte, na hora do almoço, entrou o terceiro Porquinho. Ele tinha fama de prático, resolvia os problemas com objetividade, sem dar voltas como seus antecessores. Antes que o Lobo pudesse perguntar o que desejava, o Porquinho foi logo assoprando:

— Lobo, qual é a sua expertise?

O Lobo só sorriu. Nem precisou desconversar. Ouviu os elogios, observou a agenda, o celular, a camisa social para dentro da calça e o resto do pacote para motivar os outros. O Porquinho prático tentou laçar o Lobo de todas as maneiras, mas a casa permaneceu intacta. Inabalável.

Conformado de que o teto jamais cairia, o Porquinho aproveitou para atender uma princesa que seria o Plano B, caso a narrativa mudasse de rumo. Cortejou a princesa, crente de que conduziu a moça feito um ratinho diante do Flautista de Hamelin.

No final desta sub-trama, quase com a duração de um desenho longa metragem, o Porquinho Terceiro se levantou, tomou a frente e garantiu: “Deixe, princesa, que eu pago a conta. Lobo, cobra no débito, por favor.”

O Lobo passou, passou, passou o cartão e nada. Nenhum tijolo tremeu na conta bancária. Sem saldo. A princesa, gentil como as donzelas, tirou R$ 20 do bolso e quitou a fatura.

O Porquinho, pragmático em seu sorriso persistente, entregou seu cartão de visitas, também carimbado com a nova profissão em inglês, ofereceu uma reunião e prometeu a poção do sucesso financeiro. Do Lobo, óbvio.

Moral da história: o lobo mau seguiu seu instinto. Permanece solitário e se alimentando de poesia e pão de queijo. Se segue feliz? Pode ser, até que apareça o quarto, o quinto, o sexto Porquinho com a promessa de mais um conto da carochinha.


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