O velório do ex-detento


Alessandro Padin

Pretos, mestiços, quase nenhum branquela. Não arrisquei contar, mas chuto que havia mais de duas centenas de pessoas naquele velório. Era uma nublada manhã, um tanto quanto abafada do inverno brasileiro e as reações (choros convulsivos, gritos e desmaios) deixavam o ambiente ainda mais quente.

Do lado de fora, no ônibus que trouxe um grupo de pessoas, muito falatório e camisetas estampadas com a cara do morto. Pensei que fosse um líder comunitário, mas a leitura do noticiário horas depois confirmou: era um ex-detento.

Parado em uma praça com a mulher (jovem, bem jovem, como vi no cortejo), ele foi alvejado por uma saraivada de balas, disparada por um grupo de homens que saltou repentinamente de um carro. Tinha 37 anos, ficha corrida, um presente que não conheci e um futuro que não vai existir.

Eu nunca tinha visto o velório de um ex-presidiário. Minto. Vi sim, anos atrás, de um detento morto em decorrência de complicações provocadas pelo vírus HIV, enterrado em um caixão tosco e com a família indo embora da cerimônia às gargalhadas. Julguei ser uma sensação de alívio. Lembro de alguém comentar: 

— Era sequestrador, não prestava. Foi um sossego para todos.

O que faz tanta gente prestar suas últimas homenagens para um ex-detento? Da minha bolha, mais um julgamento: simplesmente as pessoas se sentiam obrigadas a ir. Como uma espécie de etiqueta social, quem não fosse receberia alguma espécie de reprovação na comunidade.

Foi o que me veio à cabeça quando fui tomar café em um boteco na frente e encontrei três caras dividindo animadamente alguns litrões de cerveja e combinando um churrasco no final de semana. Minutos depois, estavam lá de volta ao velório, sem choro, nem vela.

O morto pode ter sido um Robin Hood da periferia, um benfeitor nestes tempos de tanta ausência de estado, mas, digo honestamente, seria apenas uma concessão para não parecer tão pequeno-burguês nestes tempos de politicamente correto. Até podia soltar, baixinho, aquela frase de que “bandido bom é bandido morto” para alguém que tinha no currículo penas por tentativa de roubo qualificado, tráfico de drogas e uso de documento falso. Não era santo e hoje, com ânimos tão exaltados, todo ódio ainda parece pouco.

Mas a letra fria desta crônica, do noticiário, dos comentários em redes sociais não dão conta daquele senhor, que parecia ser o pai, chorando e desmaiando enquanto o caixão passava ao meu lado carregado por homens negros, mestiços e nenhum branquela, com a jovem esposa segurando flores em sua pouca idade marcada pra sempre pela visão de um assassinato. 

As pessoas seguem o cortejo, um tímido foguetório na frente do cemitério e, depois, sossego para todos. Domingo vai ter churrasco em alguma das quebradas da comunidade.

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