O Prestígio da Lembrança (Escritas do Cotidiano # 4)


Itiel Pereira de Araújo Filho* 

Quem me conhece bem sabe que sou chegado às lembranças. Gosto de revisitar o passado, é uma forma de tentar entender o presente e, quem sabe, sonhar o futuro.

Nem só de boas lembranças se compõe a história das nossas vidas; aliás, algumas lembranças são tão difíceis que a gente tenta se esquecer de lembrar. Às vezes, é mais fácil tentar jogar as lembranças no poço do esquecimento e colocar uma pedra bem grande em cima, para que não mais saia a tal memória dolorida das profundezas da nossa alma.

Eu sou perseguido pelas lembranças, as boas e as não tão boas. Elas estão sempre diante de mim, interferindo nas minhas respostas, determinando minhas reações, como que a dizer: "eu sei o que você fez no passado".

Não se apresse em julgar minhas lembranças. Na verdade, elas mais me ajudam do que ferem. A partir das minhas lembranças, passo a decidir e a fazer escolhas. Minhas lembranças me ajudam a tentar entender o outro, que, presumo, também tem suas próprias memórias.

Uma lembrança que volta e meia me vem à mente é o Prestígio; sabe o chocolate? Aquele que é uma barrinha de doce de coco coberta com chocolate?

Eu fui até Guarulhos encontrar-me com meu pai. Lembro que tentávamos nos encontrar de vez em quando para estabelecer um vínculo pai x filho perdido em algum lugar no passado distante.

Terminamos de almoçar, conversando amenidades, trocando palavras sem muito comprometimento. Então, nos dirigimos ao caixa para pagar a conta e, como que para nos fazer lembrar de um tempo já esquecido, lá estava o Prestígio; sim, o chocolate.

Quando eu era criança, e meu pai era caminhoneiro (com certeza, filhos de caminhoneiros podem ser escritores), passava muito tempo longe de casa, muitas vezes nos víamos apenas nos fins de semana. Cada vez que ele viajava e passava dias longe, voltava com um pacote de Prestígio.

Era a forma simples de ele dizer: "Eu estava longe, mas lembrei de vocês." Durante muito tempo, por força de tantas idas e vindas da vida, eu não me lembrava do Prestígio.

Naquele dia, após aquele almoço, já adulto e agora também pai, o Prestígio da lembrança saltou aos meus olhos. Ao cruzarmos os olhares, após nosso olhar ser invadido pela imagem daquela pequena barra de chocolate, imediatamente nos lembramos. Sem palavras, apenas o olhar, e a mensagem foi transmitida.

Hoje, já quase velho e um pouco mais sofisticado, cultivo minhas lembranças com prazer. Até mesmo aquelas que gostaria de esquecer. Lembro de tudo!

Num trocadilho simplório, "Lembrar é um prestígio"

* Esta crônica faz parte do módulo "Escritas do Cotidiano", dentro do curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos (SP).

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