A golfada (Escritas do Cotidiano # 9)




Leandro Guedes* 

Desde que o Heitor nasceu, a vida deste pai virou todo tipo de gênero de cinema. No balanço do ninar, enceno tímidos musicais e, na hora da brincadeira, imito animais já extintos e outros ainda por existir.

Heitor estrelou com o drama ao nascer prematuro. Passado o susto, envolvemos todos no apaixonante romance da magia infantil.

O gênero comédia sempre esteve presente, pois a paternidade parece oferecer uma espécie de carta branca para as tolices de um pai que tenta agradar os rebentos.

Agora, aos dois meses, iniciou as aventuras e suspenses.

Já vestido para o trabalho, o semblante do “divino Heitor” no meu colo é ameaçador. De olhos arregalados e tez avermelhada, estranhos rugidos anunciam, em segundos, a transformação do pequeno mutante.

A mãe, atenta, adverte de longe: lá vem a golfada.

Desesperado, procuro meu escudo protetor, a fralda de pano que parece sempre se teletransportar para longe quando o inimigo se aproxima.

Tarde de mais. O esguicho é certeiro. Direto da garganta sem tocar os lábios, o tiro atinge meu ombro esquerdo. Imediatamente o líquido branco começa a ser absorvido pela blusa. Tento ainda me aproximar da fralda antes de completar 10 segundos do ataque. Minha teoria é simples: se eu limpar em 10 segundos, a blusa esta salva.

No carro, a lembrança do ataque é apenas ferida que dói e não se sente.

Já o perfume natural do bebê em minha blusa!? Esta também é causa insondável de um estranho contentamento, descontente. 


* Esta crônica foi escrita dentro do módulo Escritas do Cotidiano, do curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos. 

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