Unhas de Marceneiro (Escritas do Cotidiano #1)





Iris Geiger 

O sobradinho era novo. O número 12 fazia parte de uma das quinze casinhas do conjunto no bairro do Boqueirão, em Santos. O assoalho refletia com o brilho do cascolac recém aplicado e ainda exalava aquele odor desagradável de formol. Lembro que meus olhos arderam quando abri a primeira vez a porta da sala. Naquela época, não tínhamos a conveniência das resinas com menos cheiro.

Sob o vão da escada, meu pai colocou uma estante, projetada por ele mesmo. Comprou as chapas de compensado de boa qualidade e outras coisas para confecção do móvel. Desenhou de modo a encaixar no espaço com teto inclinado. Como não gostava das cores psicodélicas que predominavam na moda, optou pela estrutura em colunas pretas e prateleiras com lâminas de madeira imbuia. Ficou uma beleza! Meio sem jeito, sua face avermelhava quando eu levava as amigas para exibir o móvel feito pelo meu marceneiro.

Ele executava por prazer os trabalhos artesanais de marcenaria e os pequenos serviços de manutenção em casa. O ganha-pão vinha da Companhia Docas de Santos, onde ocupava uma função administrativa. Mas, para esta função, também brotava o dom da paciência. Preencher cansativas planilhas de controle de carga poderiam entediar alguém com menos paciência.

Aqueles longos dedos com unhas fortes e bem definidas, que minha mãe admirava, talvez com uma ponta de inveja, me alegravam ao abrir a porta no final da tarde. Herdei em partes diferentes este patrimônio – totalmente os longos dedos, parcialmente a habilidade manual e nada das unhas fortes. Não se pode ter tudo na vida.

Obs.: Texto produzido no módulo Escritas do Cotidiano, no curso de Formação de Escritores, da Prefeitura de Santos. 

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