O soldado e o caminhoneiro



Alessandro Padin

Sábado, início da tarde, sexto dia de greve dos caminhoneiros. Ainda tem combustível naquele ônibus que saiu de Santos cortando cidades do sul do Litoral Paulista, em direção ao ponto final, em Peruíbe. Um homem na beira dos 50 anos pegou o celular e começou a assistir no Whatsapp um vídeo com algum caminhoneiro protestando no cais santista.

— Tem que protestar mesmo parar tudo. Não dá mais para aguentar.

Duas poltronas à direita, um jovem que não passou dos 20 olha deu um leve sorriso amarelo.

— Olha, irmão, você me desculpe, é o que eu penso. Não sei se você concorda. Sou caminhoneiro. Não queremos atrapalhar a vida de ninguém.

O rapaz não quis muita conversa, mas concordou com um tímido movimento da cabeça.

— Meu caminhão está parado lá no Saboó. Está tudo parado. Estou indo para Itanhaém e você, irmão?

— Vou descer em Mongaguá.

— Ah, vou ficar em Itanhaém. Também está sofrendo com a greve?

Com expressão de cansaço, o jovem ajeitou a mochila no colo.

— Sou soldado do Exército. Passei a madrugada de prontidão, 13 horas direto. Estou sem dormir direito.

O caminhoneiro fez uma expressão de espanto e guardou o celular no bolso da camisa.

— Puxa, desculpe aquele protesto lá na frente do quartel. Não estamos contra vocês, não! Queremos vocês do nosso lado. Lá, na Alemoa, tem militar do Exército orientando a turma como agir, como reagir caso chegue o Exército. Todo mundo já sabe: chegou soldado, senta e põe a mão pra trás. É sinal de rendição. Ninguém quer apanhar. Você é alistado ou pretende seguir carreira?

— Sou alistado.

— Hum, mas pensa em seguir?

— No ano que vem, se o Bolsonaro ganhar, sim.

O jovem soldado levantou e pôs a mochila nas costas.

— O meu ponto é próximo. Tudo de bom pra você.

— Pra você também, irmão. Bom descanso.

O rapaz foi embora. O caminhoneiro pegou o celular no bolso, tinha mensagem nova no Whatsapp, um novo vídeo com alguém falando direto lá da Alemoa.

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