O dia das Três Marias


Flores para diversas mães

Júnior Landim

O domingo amanhece nublado, como de costume, em São Bernardo, cidade onde residem os pais de minha esposa Renata. Saímos de Santos no dia anterior, depois de muito trabalho. Uma hora de subida de serra até o ABC e minha cabeça já está em Vargem Grande Paulista. Lá, vive uma simpática senhora de nome Maria, mulher de aço que me criou desde os meus seis meses de vida.

A mesa de café posta por Dona Anna Maria, minha sogra. Um café aromático, algumas fatias de pão, um pouco de brincadeira no chão com meu filho Iago. Saímos eu e Renata para buscar o bolo dos 92 anos de vida de Dona Oscarina, avó materna da minha esposa. Dia especial! Dia das Mães no mesmo dia do aniversário da Bisa!

Com bolo em mãos, deixo Renata na portaria do prédio dos pais dela e sigo de carro rumo ao Rodoanel Mário Covas. Uma hora de viagem até pisar novamente na terra da minha infância. Lá fora, um verde exuberante; dentro do carro, Alanis Morissette canta o som da minha adolescência.

Ao chegar na casa de Maria, minha mãe do coração, cerca de 20 pessoas, entre irmãos, irmãs, cunhados, cunhadas, sobrinhas e agregados, falam alto e gargalham mais alto ainda varanda de madeira.

A mesa é um elemento à parte, símbolo da fartura e da simplicidade ao melhor estilo mineiro. Gente pisando na grama descalços, cachorro roçando as pernas distraídas com sede de carinho e um quintal cheio de plantas, iluminado pelo céu azul.

Encosto o carro na porteira. Em uma hora, um vídeo, previamente combinado com um psicólogo chamado Ricardo, que trabalha em Juiz de Fora, interior de Minas Gerais, mudaria o rumo do almoço de Dia das Mães.

Sou recebido na porteira por meu irmão caçula, Milton, com o filho Leonardo, que nascera há poucos dias. Sigo em direção à varanda e encontro meu irmão Marcelo, um dos mais velhos. Um beijo e um abraço carinhosos.

Estou na velha casa de madeira, construída há mais de meio século pelo meu pai adotivo Ibrahim, um carpinteiro de mãos habilidosas. Na cozinha, a rainha me recebe com um sorriso no rosto. Pano de prato no ombro e colher de pau na mão direita, ela é responsável pelo aroma que alcançou a porteira.

— Oh, meu filho, que saudade!

— Bença, mãe!

— Que Deus lhe abençoe, meu filho!

E um abraço dos bons. Estou pleno e faminto. Ainda não havíamos nos encontrado depois de minha ida à Juiz de Fora, onde fui conhecer minha mãe biológica, Zélia Maria. Só nos falamos por telefone, sem olho no olho, sem mão na mão, sem a ternura que só o ao vivo proporciona.

O banquete começa. O feijão continua o melhor do mundo. Cada grão tem a forma de minúsculos corações. Muita Tubaína e laranjada Rossi, salada fresquinha, gargalhadas. As sobremesas aparecem. Gelatina multicolorida e mousse de maracujá. Fartura!

Dou a notícia à minha mãe Maria. Ela sorri. Todos na mesa em silêncio. Telefono para Juiz de Fora. A ligação cai. Tento outra vez e, aí sim, abre-se a imagem de Ronaldo, cuidador de plantão na clínica onde minha mãe biológica, Zélia Maria, mora.

As duas Marias não se falavam há 36 anos.

Ronaldo me cumprimenta e leva o telefone para minha mãe Zélia. Ela almoçava e tomou um susto quando me viu.

— Juninho, meu filho!

— Oi, mãe, Feliz Dia das Mães!

— Que bom te ver, meu filho abençoado!

— Estou com uma pessoa importante do meu lado. Ela quer falar com você!

Viro o celular para Maria.

— Olhe a Maria aqui. Fale com ela, mãe.

Fiquei congelado. Dois rostos fundamentais na minha existência. Zélia pergunta:

— É a Maria?

— Sou eu, Zélia, você tá boa?

A prosa corre...labirintite, Barra Mansa, Minduri, nosso filhinho, gratidão por tê-lo criado e tantos assuntos que quebraram o vácuo de quase 40 anos.

Uma paz transbordou pelos meus olhos. A certeza da minha condição de abençoado é ratificada por estar conectado com duas almas especiais, mulheres de grandeza moral emocionante.

São duas mineiras, casadas com dois irmãos (Adair e Ibrahim), viúvas muito jovens. Uma enfrentou manicômios e choques elétricos. A outra teve sete filhos, adotou mais um e os sustentou com uma pensão de um salário mínimo. Poderia ser ministra da Economia e faria melhor do que muito doutor.

O amor cura as feridas e faz jardim florido com corações que antes eram áridos. Minha eterna gratidão a Zélia Maria, que me deu a vida, e a Maria Aparecida, que me permitiu desfrutar dessa vida e ser pai de Iago.

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