O renascimento (Encontro em Minas - parte 2)

A primeira foto com a mãe, Dona Zélia


Júnior Landim

Ao adentrar a varanda da casa, três mulheres me esperavam e me olhavam com curiosidade. Todas elas pessoas visivelmente portadoras de distúrbios mentais. Eu sabia que nenhuma delas era a minha mãe. Como faço sempre, abri um sorriso, disse bom dia e apertei a mão de cada uma delas.

O cuidador que abriu o portão me pediu pra entrar e segui-lo até a porta do quarto de minha mãe, pois estaria ela um pouco ansiosa. Chegando defronte da antiga porta marrom de madeira, ele bateu, abriu e disse:

- Zélia, vem cá!

É a primeira vez em 37 anos que nossos olhos se cruzam. Digo a ela em tom alegre:

- Vim conhecer minha mãe, você a conhece?

Ela vem até mim, me olha nos olhos e diz:

- Sou eu, meu filho.

Nós nos abraçamos por cerca de 10 minutos, onde o único som que eu ouvia era a voz baixinha dizendo em looping:

- Meu Juninho voltou.

Aquele abraço está gravado em minha alma. Foi algo tão profundo que sentia junto de nós uma legião de antepassados, que celebravam a reconexão de uma linhagem. O silêncio na casa era absurdo naquele momento. Todas as pacientes se postaram ao redor e apenas respiravam. Um respeito muito grande pelo outro. Aquilo foi mágico!

Após o abraço e lágrimas, nos sentamos no sofá da sala e começamos uma conversa que duraria horas ininterruptas. Embora muito debilitada pelas décadas de doença e muitos remédios, a memória de minha mãe é impressionante. Pude conhecer a história de meus bisavós (as duas bisavós eram índias), descobri a origem do meu sobrenome, Landim, de um bisavô italiano.

Descobri que meus avós paternos adoravam dançar, que faziam bailes em seu quintal regados à sanfona. Descobri que minha paixão por chapéus era herança do avô dançarino. Que só o tirava da cabeça para tomar banho e dormir. Descobri que meu pai tocava muito bem violão. Outra de minhas paixões. E descobri que minha mãe odeia TV e ama música. Quando perguntei que música ou cantor mais gostava, ela disse: "John Lennon"!

Eu estava perplexo, pois em 30 minutos de conversa todos elementos que fazem parte da minha rotina de vida tinham sido citados, como a paixão por madeira. Ouvir aquilo tudo me trouxe uma alegria tão grande, um entendimento do meu próprio ser.

Entre um assunto e outro, uma paciente interrompeu a conversa e afirmou:

- Você é cantor!

Eu sorria.... Minha mãe respondia em tom ríspido: "ele é comerciante como o pai dele". Olho para minha mãe e pergunto: meu pai era comerciante? Sim, ela responde. Ele começou com uma pequena venda e depois montou um restaurante. Ele adorava estar lá!

Na minha cabeça, mais uma semelhança. Foram tantas descobertas, tantas afinidades que parecia um sonho. E então comecei a perguntar.

- Onde a senhora nasceu? Como fora sua infância? Quantos irmãos tinha? Como e com que idade conheceu meu pai (se apaixonou quando meu pai lhe pagou um guaraná na venda). Quanto tempo conviveu com meu pai? Como tinha sido minha gravidez e a de meus irmãos? 

Era um bombardeio de perguntas. Minha mãe respondia tudo com uma clareza e confiança impressionantes. Entreguei a ela um porta retratos com a foto do netinho que, junto da mamãe e do papai, posava sorridente. Nesse momento, a conversa cessou. Minha mãe ficou ali olhando durante um bom tempo. Eu ao lado dela, também olhava e tentava me colocar em seu lugar. Reencontrar um filho depois de quase 40 anos e descobrir um netinho sorridente.

Eis que o cuidador entrou na sala e disse: "já, já, serviremos o almoço". Estávamos ali há mais de 4 horas. Minha mãe me pediu licença para tomar banho, e eu tenho a possibilidade de ir tomar um ar no jardim. Eu já tinha mais informações sobre minha vida do que jamais pudesse imaginar.

Senti que deveria ir dar uma volta, pois o horário das refeições na casa não me parecia algo tão simples de administrar. Aquele também era o momento da segunda bateria de remédios do dia daquelas senhoras. Minha preocupação era a de não causar problemas na rotina da casa. Minha mãe concordou e lá fui eu de bicicleta explorar o centro de Juiz de Fora. 

Centro de Juiz de Fora
Fiquei fora por duas horas e foi maravilhoso para a decantação daquela areia sacudida. Conheci um bistrô sensacional, ouvi jazz da melhor qualidade e tomei um chope artesanal que amoleceu minhas panturrilhas. De volta à casa, fomos para o quarto que minha mãe divide com mais duas pacientes. Deitamos juntos na cama de solteiro e uma paciente, que é o anjo protetor de minha mãe, também deitou em outra cama e a conversa dali para o começo da noite foi sobre meus irmãos Bárbara e Altamir.

Na fala, a tristeza de minha mãe de não ter os três filhos juntos ali naquele sábado de aleluia. Por que seus irmãos não vieram com você? Era o que me perguntava repetidas vezes. Tentei explicar que cada pessoa tem um tempo de amadurecimento da alma, pedi a ela que acalmasse seu coração. Pois o primeiro passo para a reunião da nossa família tinha sido dado e que meu exemplo seria o motor para meus irmãos se mexerem e irem ao encontro dela. 

Choramos mais um tanto e nos abraçamos. A noite começava a surgir e a hora de partir estava próxima. Um banho revigorante, uma mochila nas costas e um até breve molhado com água salgada no velho portão de madeira encerrava aquele dia que me fez renascer. Afinal, era Páscoa. 

A foto de despedida

A lua cheia e iluminada foi testemunha de minha promessa de retornar com Renata e Iago para continuarmos a prosa.

Comentários

Jorge Maciel disse…
Junior! Vc é uma pessoa incrível. Parabéns.