A ida (Encontro em Minas - Parte 1)

Júnior na rodoviária de Juiz de Fora (MG)

Júnior Landim

Os dois dias que antecederam a viagem foram dolorosos. A ansiedade tomou conta de mim, meu coração batia um tom acima do normal. Duas noites mal dormidas davam o veredito. Algo grandioso se aproximava.

Fui adotado com seis meses de idade na cidade de Barra Mansa (RJ), por um casal de tios que viviam em Vargem Grande Paulista (SP), em meados dos anos 80. Essa foi a melhor solução encontrada por motivo de doença dos meus pais biológicos. Por causa da distância e de poucos recursos financeiros, não tive mais contato com eles.

Meu pai biológico, de quem carrego o mesmo nome, veio a falecer em 1982. Minha mãe biológica, Zélia Maria Landim, nunca mais recuperou a saúde mental.

Em 2011, eu já estava casado e morando há três anos em Santos (SP), quando comecei a revirar este antigo baú e decido ir à Barra Mansa para conhecer meus três irmãos do primeiro casamento de meu pai. O encontro foi revelador e, de quebra, ganhei um amigo, camarada de qualidades raras.

O mano mais velho é um espírito de muita luz. O nome dele é Adnilson. Ali, conheci muito de meu pai através do irmão que, de todos os seis filhos, foi quem mais conviveu com ele. Entendi muito de mim, entendi as doenças de meu pai e de minha mãe. Pude agradecer algumas vizinhas, senhoras de idade avançada, pelos cuidados dispensados a mim quando eu era recém-nascido.

Sai de Barra Mansa sabendo com quem seria meu próximo encontro. Zélia Maria Landim, minha mãe.

30 de março de 2018. O dia em que embarquei num ônibus para Juiz de Fora, interior de Minas Gerais. Um dos dias mais incríveis de minha vida.

Foram quatro meses preparando minha alma e minha rotina para estar um dia em Juiz de Fora e tentar zerar 37 anos e meio de vácuo entre duas almas. Embarquei às 20h15 para 11 horas de viagem. Levei comigo uma mala de mão, duas mudas de roupas, dois livros, um caderno de anotações, uma bicicleta e alguns dragões internos de quase 40 anos de idade.

Por que a bicicleta? Não perderia por nada a chance de pedalar pelas ruas da cidadezinha e sentir Minas em meus pulmões a cada respiração.

As 11 horas pareceram quase 38 anos, não consegui pregar os olhos. Lembrei da minha infância maravilhosa, uma infância rural em Vargem Grande Paulista. Pensei em Dona Maria Aparecida de Sousa, a supermãe que teve sete filhos e adotou um oitavo, ficou viúva com 40 anos, nunca mais se casou e criou este exército com um salário mínimo de pensão


Marina (irmã), Maria (mãe) e Júnior

Lembrei de como ela me ensinou a ser um gigante usando como ferramentas o Amor e a Coragem. Que pessoa fantástica! Lembrei de como a possibilidade de reencontrar minha mãe biológica na minha adolescência me causava pavor. E também lembrei de 4 de julho de 2012, dia que meu filho Iago nasceu, dia que uma lâmpada vermelha acendeu em meu peito e pediu referências de meus antepassados. Iago era a continuação de uma história com páginas em branco.


Iago, hoje com cinco anos

O mergulho no Cometa que rasgava as estradas do sul de Minas naquela madrugada foi profundo. Os primeiros raios do dia começaram a aparecer. Identifico uma paisagem, as montanhas, as minhas montanhas. As montanhas dos meus antepassados. Estou em Minas.

O estômago congela e, em menos de uma hora, desembarco em Juiz de Fora. O endereço da clínica onde minha mãe vive salta em minha mente. Rua João Dias, 126, bairro Poço Rico. Lá, outro coração batia dois tons acima do normal.

Rapidamente, o ônibus estacionou, e todos começaram a descer. Sou o último a sair, não por medo, mas por dificuldade de me libertar da apneia daquele mergulho tão profundo dentro de mim.

Ao pisar no chão, o aroma da montanha me remete imediatamente à casa de Dona Saluca, uma outra história. Retiro a bicicleta do bagageiro, café preto com pão de queijo na rodoviária e sigo a pedalar por 15 minutos até o bairro onde fica a clínica.

No trajeto Minas em seu melhor estilo, 7h30 e as pessoas caminhando para seus afazeres e, ao cruzarem comigo, diziam: Dia!
Chego ao portão alto de madeira de número 126 de uma antiga e linda casa de pedra com janelões de 70 anos. Toco a campainha. Passam-se alguns segundos e um simpático mulato abre o portão e, antes que eu me apresente, ele fala:

— É o filho da Zélia! Seja bem vindo!

Abro um sorriso e entro.

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