Guerreiro Menino (De Profundis #2)






Beth Soares


Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura
Guerreiros são pessoas
Tão fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sono
Que os torne perfeitos
É triste ver meu homem
Guerreiro menino
Com a barra do seu tempo
Por sobre seus ombros
Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito
Pois ama e ama
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz
Não dá pra ser feliz.

Gonzaguinha, 1983.


Eu queria ter escrito essa música. Ela se encaixa tão bem no que temos vivido. Ela fala tanto do que tenho visto em você. É sob medida. Acho que infelizmente.

Queria que nestes 25 anos de jornalismo, completados hoje, sua história atual pudesse ter relação com uma música bem mais alegre. É triste ver a profissão que você escolheu cada vez mais distante. Triste ver seus conhecimentos descartados, desrespeitados tantas e tantas vezes. Mesmo para um soldado incansável, as cenas diárias de crueldade são difíceis de superar, eu sei.

Mas hoje, só por hoje, lembre-se que foi o jornalismo que te fez descobrir a sensação de dever cumprido no fim do dia. Foi ele que te deu frio na barriga tantas vezes antes de uma entrevista importante ou antes da publicação de um texto polêmico. 

O jornalismo trouxe à sua vida tantos colegas, chefes, subordinados e alunos que se tornaram amigos leais... Já vi tantos te cumprimentarem com admiração e respeito. Já li e ouvi declarações belíssimas de vários deles, sobre o que você representou e representa na caminhada de cada um.

Eu sei, é difícil lembrar dessas coisas quando a mente não colabora, só aponta para as decepções, para o lado dos que te olham, medem e julgam pela superfície. Você paga um preço alto por guardar no peito o menino que carrega o peso de um tempo que não oferece lugar para ele. Um tempo que não abre espaço para as palavras impregnadas de sentimentos, de verdades profundas. Foi justamente o profundo que te traiu. Lançar luz sobre as mazelas humanas te fez encarar as suas próprias, sem tempo para a adaptação das pupilas. Mas sabe, amor, mil vezes essa dor a viver uma vida na caverna. Conhecer o melhor e o pior das pessoas - e de nós mesmos - é um privilégio.

Hoje, o que desejo é que nessas profundezas, nesse abismo para o qual você está olhando no momento, você encontre toda a verdade possível sobre si mesmo, sobre todos os homens. Tenho certeza que nada vai te impedir de seguir. Eu sei que nossos caminhos apontam para um horizonte cada vez mais distante do jornalismo. A cada dia ele fica mais parecido com uma miragem, não só para a gente, para todos os nossos amigos jornalistas de verdade.

Mas só por hoje quero que você se lembre: foi o jornalismo que nos uniu. Foi essa a desculpa que a vida, rainha de tantos desencontros nas nossas histórias, arranjou para nos colocar frente a frente. Ela sabia que só assim eu me tornaria uma pessoa melhor. Capaz de te dar colo, carinho, ternura e - quem sabe um dia - minhas palavras amenas.

Só por hoje eu tentei.

Comentários

Andre Argolo disse…
Meu querido parceiro de enganos. Querido parceiro de sonhos. Já não importa a autoria, quem disse resumindo tudo que a utopia serve de horizonte, que cada vez que caminhamos em sua direção, se afasta igual: e pra quê serve? Para isto, para caminharmos. Abrimos mão de resultados em nome de princípios, parte das escolhas. Como os caminhos são, em parte ou ilusoriamente, escolhas. E aí fica mais difícil, ter de aguentar lamaçais, trechos esburacados, escaladas no mau tempo, escuros, camas e comidas mais duras, tudo que soa a castigo, injustiça e dá vontade de parar. Há quem nos alivie, você sabe que há. Entre múltiplos caminhos, com testes de rumos, desvios a cada par de passos, com andar para trás incluído, atalhos falsos, retomadas. O sono, as bolhas, há quem nos alivie, você sabe disso. Os caminhos são nacos do tempo, esse tempo, não outro. Essa experiência possível. Sabemos o Norte pela fatal agulha, não por coloridos mapas na tela. Rusticamente, o Norte. Apenas relutamos se a escolha era essa mesmo, maldita relutância trazida pelo vento quente. Mas sabemos o Norte. O nosso Norte. Caminhemos, irmão. Apesar da roda e do motor à explosão, no fim não inventaram nada diferente nesses últimos dez mil anos, caminhemos. Temos o nosso Norte. E temos companhia, se não vemos às vezes é por causa do vento. Andamos e corremos o risco de a paisagem mudar até.
Junior Landim disse…
Menino Batista, Menina Beth. Continuemos bestas e infantis. Pois só assim temos verdade e Honra.

Amor e respeito profundo é o que tenho no coração por vocês.

Jr.Landim
Eliana Greco disse…
Que lindo "tudo" isso !
Feliz estadia aqui na terra
Beth é isso mesmo nós alunos temos uma gratidão muito grande com o professor "MARCÃO", MAS EU EM ESPECIAL TENHO UMA GRATIDÃO ETERNA, SABE PORQUE? ELE ME FEZ VER QUE NÃO SOU TÃO JOVEM ENTRE OS ALUNOS, MAS QUE TAMBÉM " EU POSSO".
Meu abraço no tom verde de esperança por dias felizes juntos.
A vida e o mundo moderno têm convidado todos a se desprenderem, independerem, se desidentificarem com suas identidades. Não escapa um. Feliz daqueles que perceberem que as pedras lascadas que juntaram como instrumentos, material de construção e, pior de tudo, como munição também precisam evoluir para fazer evoluir os pedreiros. Por mais que tenhamos mirado, admirado e vivido como se fôssemos meninos, guerreiros, jornalistas, médicos, a barra do tempo nos pesará sobre os ombros. Largar as pedras pode eventualmente ser sofrido, mas certamente será um alívio. Quando aquele homem especial disse isso ao homem comum, este abriu mão, não podia mais apedrejar a subjetividade pelo erro que é também da objetividade. Lançadas ao chão as pedras, a disputa, a masculinidade, a própria identidade à qual sempre pensamos pertencer - por, reconhecendo nosso não-ser, não podermos mais apontar os de ninguém -, estaremos livres para finalmente conhecer e conquistar o nosso Ser (a amizade, a fraternidade, a ética, o respeito que a vida nos fez conquistar enquanto caminhávamos em direção à utopia).