Um amor português, há 21 anos


A festa depois do acesso à Primeira Divisão do Campeonato Paulista
(Foto: Silvio Luiz/Arquivo - A Tribuna)
Marcus Vinicius Batista



Acordei cedo naquele domingo de folga. Tinha um compromisso às 10 horas, a chance de presenciar um fenômeno único. A manhã nublada de 21 de julho de 1996 seria o dia em que meu time de coração (e quem defendi a camisa como goleiro amador por três anos e meio) poderia voltar à primeira divisão do Campeonato Paulista. 

A Portuguesa Santista enfrentaria o Ituano no Estádio Ulrico Mursa e um empate empurraria de novo para a elite do Estado, lugar que esperava ocupar desde 1978, quando foi rebaixada. 

Tomei o ônibus e desci perto do campo. Andei duas quadras e, pelo trajeto, percebi de longe o óbvio: a casa estaria cheia. Soube depois que eram oito mil pessoas. 

Como não cheguei tão cedo, as arquibancadas já estavam lotadas. Percorri a beira do alambrado, do lado do canal 1, passei pelas cabines de rádio e TV e consegui lugar, em pé, perto do gol oposto à entrada, gol que seria defendido por Claudinei (hoje Claudinei Oliveira, técnico) no segundo tempo. 

Assisti ao jogo com a barriga encostada na grade. Do meu lado, três amigos do tempo de faculdade: Ricardo Goya, o único ponte-pretano caiçara, Cláudia Castro, os dois meus colegas na extinta TV Mar; e André Argolo, hoje parceiro de aventuras literárias e, na época, repórter do Diário Popular. 

O jogo estava amarrado, típico da segunda divisão, coerente com uma vaga para o acesso. O time da Briosa era quase todo caiçara, com gente da terra, o que aproximava jogadores e torcida. Para mim, era um degrau acima na escada da afetividade. 

O volante Léo, por exemplo, havia sido revelado pelo Santos. Fomos contemporâneos no curso de Jornalismo e treinamos juntos no clube da Vila Belmiro. Léo se profissionalizou, e eu virei jornalista. Hoje, jogamos futebol society de vez em quando. E conversamos sobre política, com afinidades ideológicas. 

O time também tinha o Beto e o Calazans, que se criaram no futebol de salão da cidade. E muitos veteranos, como Toninho Carlos, Fernando, Paulo Róbson e Márcio Fernandes, que foram revelados pelo Santos, mais Balu, que jogou no Cruzeiro e é nascido em São Vicente. 

Ah, e tem o Célio, que defendeu a Portuguesa de Desportos naquele time vice-campeão Paulista de 1985. Ele perdeu um pênalti no segundo tempo, defendido com os pés por Nilton. 

Do outro lado, no Ituano, só me lembro mesmo do goleiro Nilton. Ele era excelente goleiro, mas deu o azar de passar pelo Santos nos tempos de Rodolfo Rodriguez. Até Taffarel e Marcos, do Palmeiras, seriam reservas do uruguaio. Nilton era do tempo em que eu, moleque de 12, 13 anos, ia à Vila Belmiro para ver goleiros, principalmente o Rodolfo, mesmo sendo corintiano. 

O segundo tempo, não bastasse o pênalti perdido, parecia pior. Poucas chances de gol, o tempo nublado não ajudava o gramado, castigado por chuva no dia anterior. Muito barro no centro do campo e nas grandes áreas. Claudinei foi afastar uma bola recuada e a bola foi para trás. Um escanteio e quase gol. 

Aos 27 minutos do segundo tempo, um escanteio a favor da Briosa, no lado esquerdo do ataque, no sentido oposto ao que estávamos. Eu usava minha altura, esticava a cabeça para tentar ver o lance. O escanteio foi batido no primeiro pau. Um jogador da Briosa e outro do Ituano foram para a bola. Os dois furaram. 

A bola atravessou a pequena área, tirou Nilton do lance e sobrou para o zagueiro Otacílio que, de cabeça, sozinho, a dois metros do gol, marcou. 1 a 0. Primeira divisão à vista. A ironia é que Otacílio havia entrado no jogo pouco antes, em substituição ao Fernando, que se machucara. Fernando voltou ao futebol depois de 14 meses de aposentadoria para ajudar o time onde começou. 

Eu, Goya, André e Cláudia nos abraçávamos e pulávamos no espaço limitado e espremido do alambrado. Mal sabíamos que seriam 20 minutos de roer todas as unhas de ansiedade. A Portuguesa Santista fez o óbvio: encolheu-se na defesa para segurar o resultado. Segunda Divisão, meu amigo, é chute com o nariz apontado para o canal 1. 

Léo, que naquela manhã era o clássico volante camisa 5, corria por todos os lados. Não precisava de técnica. Precisava de disposição e vontade de destruir as jogadas do Ituano. Jogou como poucas vezes o vi atuar. 

Naqueles 20 minutos, a Briosa faz jus ao apelido. A cada chutão do Ituano para a grande área, a defesa aliviava, Claudinei segurava em um, dois, três tempos, se fosse necessário. O Ituano chegou a marcar um gol, anulado por falta no goleiro adversário. 

Vibramos e cantamos com outros torcedores depois que o juiz terminou o jogo. Não me lembro com exatidão sobre o que conversamos, se é falamos alguma coisa séria e digna de registro na memória. 

Sete anos depois, testemunhei pela TV a presença da Briosa contra o São Paulo, pelas semifinais do Campeonato Paulista. Pude, em 2014, relembrar daquela temporada com o técnico na ocasião, Seo Pepe. 

Outros sete anos depois, levei minha filha Mariana ao estádio Ulrico Mursa pela primeira vez. A Portuguesa empatou com o Força, num jogo horroroso também em um domingo pela manhã. Os dois morreram abraçados e caíram para a quarta divisão do Estado. 

Agora, a Portuguesa está na Série A-3, onde acabou entre os oito melhores. Em 2016, venceu o campeonato da quarta divisão, quando pude testemunhar o título, retornando ao Estádio Ulrico Mursa, seis anos depois. 

Repetir uma emoção - na verdade, fingir, porque é experiência única - seria uma renovação de amor. Só isso move, voluntariamente, alguém a ir a um estádio num domingo de manhã.

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