A janela do segundo andar



Tathiane Valério*

Da janela do apartamento, o dia começa com sol entre nuvens, mas vai esquentar, é o que o ar indica. Pessoas saem de casa, andam pelas ruas, não se falam, somente se cruzam, podem até conhecer um ao outro, por fazerem o mesmo caminho todos os dias; entretanto, não se cumprimentam.

O volume de pessoas e carros na rua aumenta de acordo com as horas, e o sol esquenta na mesma proporção. Do segundo andar, ouço o barulho dos equipamentos da academia, que fica embaixo do prédio. Quando caem no chão, sempre tenho a impressão que alguém bateu a cabeça.

Os carros e ônibus que passam pela avenida caem no mesmo buraco todos os dias. Será que eles esquecem que ali tem um buraco? Na direção do buraco, há uma banca de jornal, muitos carros param e o jornaleiro entrega o jornal sem o motorista sair do carro, como quem compra um café. Outros param somente para bater papo.

Todos os dias, por volta das 11 horas, a senhora de meia idade volta da academia e eu ainda acordando. Um senhor aposentado passeia com seu cãozinho pelo canteiro central da avenida; ele e muitos outros.

O “segurança” da locadora de DVDs, extinta pela tecnologia, ainda cumpre seu horário todos os dias como quem guarda o banquinho do canteiro. Pessoas atravessam a rua correndo para não serem atropeladas.

Do outro lado da avenida, uma ambulância pede passagem, os motoristas demoram em tomar uma decisão, enquanto outros aproveitam o caminho da ambulância pra seguir viagem.

Um dia aparentemente tranqüilo. Deixei, então, a janela entreaberta e fui tomar um banho. Logo que entrei no chuveiro, ouvi barulhos, parecidos com bombinhas, tiros, nunca sei identificar ao certo. Entretanto, não acreditei que fossem, por se tratar de uma avenida movimentada, imagina...

A curiosidade tomou conta do meu pensamento. Se saísse correndo para olhar, molharia todo o chão. Sem muito pensar, estava abrindo a janela, enrolada na toalha, com a certeza de que não era nada.

A imagem que vi quando abri a janela era de um homem todo de branco, parecia um açougueiro, caído no chão, o sangue já aparecia. Olhei ao redor procurando pistas, como Sherlock Holmes, enquanto as pessoas se aglomeravam. Alguns apontavam, como que mostrando por onde foram os suspeitos. Li nos lábios das pessoas que eram dois indivíduos em uma moto. A polícia estava chegando e pessoas brotaram da terra, como erva daninha. A polícia conteve a multidão.

— Será que o homem ainda está vivo?- ouvi alguém dizer.

A ambulância chegou e levou o homem baleado. Eu voltei para o meu banho e depois sequei o chão. No telejornal local, veio a notícia: o homem faleceu dentro da ambulância.

Obs.: Este texto nasceu do curso "Crônica: o amor pela vida cotidiana", que aconteceu nos dias 10 e 12 de julho, no Lobo Estúdio, em Santos.


Comentários

Maria Bernadete disse…
Parabéns pela crônica tão bem elaborada a partir de sua janela.