Não gosto do Natal



Paula Vinhedo

Não gosto do Natal. Olha, não se trata de um antagonismo ao réveillon, daquelas opiniões que estabelecem um termômetro de alegria para que o Ano Novo vença a enquete.

Não gosto do Natal e o comparo com ele mesmo. Quando digo “não gosto de Natal”, é preciso esclarecer: a noite de 24 de dezembro. O Natal é uma data melancólica, na qual predomina um protocolo de excessos, determinados por uma cartilha de comportamentos, vista como muito mais importante do que as pessoas.

Não troco um amigo de fé por uma árvore iluminada. Não troco um parceiro de vitórias e derrotas por um cunhado ou primo oportunista ou uma guirlanda. Pessoas que muitas vezes não escolhemos para ver o ano todo e somos obrigadas – ou nos obrigamos – a conviver com sorrisos, abraços e palavras decoradas de bem-estar. Tudo embalado com músicas chiclete tão deprimentes quanto a abertura do Fantástico no domingo à noite, a lembrança sonora de que a realidade é sempre outra.

O Natal não transforma, como em filmes da Disney, as pessoas. Ninguém apaga o que fez, o que disse, durante o resto da história em uma garfada de chester ou de tender bolinha. Passamos a acreditar, como se fosse um inconsciente coletivo, que o espírito natalino está em todos. É premissa de todos. É inerente a todos. A vida dá uma parada para a entrada triunfal do conto de fadas.

O Natal, em muitas ocasiões, é um festival de obrigações. Obrigação de dar presentes para quem não merece. Ou se desesperar para comprar algo, de forma apressada, às cotoveladas em lojas de shopping, gastando-se o que não tem, para cumprir o prazo. Dar algo com carinho depois da data parece uma heresia digna de fogueira em praça pública.

Vejo uma dança de convenções sociais acima da média do dia a dia. Parecer feliz. Parecer amável. Parecer cordial com quem te prejudicou várias e várias vezes. Abraçar quem te discrimina. Ir na festa da firma para não parecer antissocial e engolir a seco a caridade de quem te detesta ... ou te escraviza. Vender-se por um panetone. Lamber o saco alheio por um peru (sem intenção de trocadilho). Viver uma catarse como se tua empresa fosse modelo acima do capitalismo.

Não gosto de romã. Como lentilhas por obrigação. Prefiro nozes como sorvete ou em recheio de bolo. Castanha do pará me faz pensar em dieta alimentar. Frutas se amontoam na mesa, com risco de perder, pois foram compradas em quantidade para alimentar um campo de refugiados. Por que temos que comer um cardápio padronizado, onde a sofisticação não supera muito – aliás, bem pouco – um almoço de domingo com aniversário?

Passei, durante anos, o Natal com parentes que só via uma vez ao ano. Justamente, no Natal. Gente que queria me ver pelas costas durante 364 dias. Que nunca perguntou sequer se eu estava bem. Que exercitava a maledicência como se caminha todo dia para se manter saudável. Gente que roubou, caluniou, fofocou e segue a cutucar nas entrelinhas da festa onde todos parecem alegres e bondosos.

Respeito o Natal alheio. O que não suporto é a obrigação social – e os olhares reprovadores para quem sai do script escrito sei lá por quem – de ouvir músicas irritantes, de viver um falso contentamento somente para repetir uma tradição como se fosse um ritual supersticioso. Se não o fizer, o ano seguinte será de desastres, tragédias e frustrações. E muitas vezes não o é, mesmo que você tenha entornado uma panela de lentilhas e engasgado com uma arroba de romãs?

O Natal que respeito é aquele que ultrapassa os limites do 25 de dezembro. É o Natal que segue os valores que o criaram. É o Natal que acontece todos os dias, com respeito, tolerância, amizade e convivência cheia de cumplicidade. É o Natal de quem não precisa me dizer Feliz Natal com palavras decoradas de atendente de loja de fast food.

É o Natal de quem está sempre ao lado, mesmo que não esteja do meu lado. O Natal não me representa quando é a festa do vou dar qualquer coisa para dizer que dei. Inclusive sentimentos que fingem ser amor.

O meu Natal é para poucos. E esses podem ser ou não com minha família de sangue. Depende deles, se são capazes de se libertar da cartilha. Família de sangue é um conceito tão fantasioso quanto o Papai Noel, mas esta é uma fábula para outra festa.

Comentários

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