Entre ondas e histórias


Thomas Rittscher, o primeiro a surfar no Brasil

Marcus Vinicius Batista

O filme “Tábua Santista”, dirigido por Júnior Faria e Roberta Caprile, é um documentário sobre surf. Mas também não é um documentário sobre surf. Aí reside o maior mérito dele. Muita conversa – das boas! – e mar rarefeito não é o que se espera de um filme deste tipo.

“Tábua Santista” conta a história da primeira prancha de surf construída no Brasil. A prancha foi criada por Thomas Rittscher, na metade da década de 30, a partir de um protótipo publicado numa revista norte-americana, em 1933.

O filme retrata a saga do engenheiro Soren Knudsen, que concebeu a ideia de reconstruir a prancha, Fábio Fornasaro, marceneiro que a construiu, e Alexandre Wolthers, surfista que a colocou na água. Um projeto que durou mais de um ano e meio.

O próprio Soren definiu o filme antes de vê-lo. Para ele, não importa quem surfou pela primeira vez. Se foi Thomas ou se foi Osmar Gonçalves. O que deve prevalecer é a história que cimenta uma cultura. “Caso contrário, seria mais uma onda … e outra onda … e outra onda.”

O filme se prende a uma estética visual dos canais segmentados, como o Canal OFF. No entanto, não apresenta uma overdose de tubos, aéreos e outras manobras comuns aos produtos do gênero. As ondas, aquelas tranquilas das praias de Santos, só aparecem no último quinto do filme. Mesmo assim, tão tranquilas quanto marolas.

O espectador não percebe a ausência delas, diante dos depoimentos e da sequência de montagem da prancha, que pode chegar a 90 quilos, quando cheia d’água. É como se a história caminhasse feito making of de si mesma. Nas palavras de Fábio Fornasaro: “Um homem sem passado é um homem sem vida.”

A dupla de diretores também parece, quando os vemos pela lupa, improvável. Júnior competiu dos 10 aos 25 anos. Chegou ao top 50 do mundo. Hoje, é freesurfer profissional, figura de voz ativa em filmes do gênero. Hóspede anual de North Shore, no Havaí.

Roberta Caprile nunca pegou onda, o que – talvez de forma inconsciente – sirva como arma para relativizar o poder das ondas em vez da força histórica. Júnior tem o biotipo do surfista. Roberta, de quem olha um swell com admiração à distância.

Recontar a história da primeira prancha está acima de se prender aos fatos ou às polêmicas sobre os donos do pioneirismo. A primeira prancha é o Santo Graal de uma cultura litorânea, capaz de explicar o relacionamento quase religioso com o mar, e muitas vezes relegada aos guetos e à ilusória segmentação diminutiva.

O filme esbarra, numa interpretação livre, no totem de que todos precisamos preservar. A ausência de ondas, em termos simbólicos, nos aponta que não precisamos saber surfar. Não precisamos deslizar sobre pranchas para compreender que esta cultura também nos faz ratos de praia.

Thomas ou Osmar, santistas ou cariocas, prancha de madeira ou de resina, o surf é uma ferramenta cultural tão sólida e pesada quanto o protótipo número zero. O surf é um pedaço nevrálgico para compreensão da evolução da cidade de Santos e de seus habitantes. Da urbanização na primeira metade do século XX que avança rumo à praia ao desenvolvimento da indústria da moda local, passando por gírias, alimentação e profissionalização do esporte, entre outros exemplos.

O curta-metragem de 15 minutos foi apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), em Jornalismo, na Universidade Santa Cecília. Depois, foi premiado na categoria Melhor Documentário Nacional, no Mimpi – 5º Festival de Filmes de Surf e Skate, no Rio de Janeiro.

Sendo honesto, prêmios – não significa diminuí-los – são mais uma onda daquelas que valem o final de semana. Mas, antes delas, “Tábua Santista” representa a maré na qual a história é o tubo perfeito.


Obs.: Assista ao filme AQUI!

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