Cinemas de Santos - um filme sem reprise


Cine Iporanga - Foto: Novo Milênio/Cine Mafalda


Marcus Vinicius Batista

O garoto de dez anos atravessou a avenida Ana Costa com ansiedade. Olhou para trás depois de passar pelo canteiro central e chegar seguro do outro lado da avenida. Precisava confirmar que a avó estava na janela do quinto andar, no mesmo prédio onde fica o Beduíno. Diante da certeza, entrou no Cine Iporanga para ver, pela primeira vez, um filme sozinho, prática que retomaria depois dos 30. Era Superman 3.

Na mesma época, passeava com a mãe, fascinado pelos cartazes que ocupavam as duas paredes de acesso à bilheteria do Cine Atlântico, hoje uma lanchonete de comida rápida e viciante. Não se lembra de ter visto filmes naquele endereço, apenas gostava de percorrer o corredor e imaginar algumas tramas, nascidas da beleza dos cartazes.

Dois anos antes, nunca viu tanta gente junta no Cine Roxy. Descobriu, quando adulto, que eram mais de 800 pessoas, dedução pela capacidade do lugar. O filme, ET - o Extraterrestre, foi visto novamente na adolescência. Naquele dia, a aventura era assistir a ele sentado no chão, ao lado dos pais, roubando a pipoca de um e o refrigerante do outro.

O refrigerante, claro, era concessão de dia de domingo. E pela manhã. Inúmeras sessões Coca-Cola. Saco de pipoca pré-apocalipse de manteiga, simples como o papel que sustentava a doce ou salgada, simples como as conversas com o pipoqueiro. Dos filmes, ele pouco se lembra. Do cardápio metódico, o sorriso de canto de boca materializa a lembrança; nada de combos e quantidades para times de futebol..

Nos tempos da primeira faculdade, retomou o hábito de ir ao cinema com a mãe. Naquela segunda-feira, convidou o amigo Christiano, irmão desde a infância. Os três eram os únicos espectadores de "O Último Imperador", de Bernardo Bertolucci. O Alhambra era, na sessão das 13 horas, a sala de casa ampliada e redecorada.

Cine Roxy - década de 80

Aos 23 anos, a experiência de um cinema lotado veio como flashback no Cine Indaiá. Ele teve que se sentar no corredor central para ver Titanic; aliás, o recordista de permanência nas salas de cinema de Santos. As dores musculares são lembranças mais vivas do que um filme com instantes dolorosos.

O Indaiá era também o passo anterior à uma visita gastronômica, para o estômago adolescente disk-entulho. Sair do cinema e parar no trailer que ficava na esquina da avenida Ana Costa com a rua Luiz de Faria, hoje um imóvel de uma empresa de plano de saúde. Em meados da década de 80, o receituário só indicava um remédio para inanição pós-filme: x-salada e Coca-Cola. Um amigo, o Gian, deixava os olhos arregalados do balconista a cada pedido. "X-salada, por favor. Mas sem alface e tomate." Melhor do que o molho rosa do Sumatra.

No mês passado, voltei aos cinemas do Gonzaga. Quase o ano todo de abstinência. O ritual completo, da pipoca até a última fileira, ressuscitou memórias sobre um bairro onde vivi até os seis anos, trabalhei por quase uma década e que está associado, em parte, aos cinemas que não existem mais ou se modificaram para sobreviver a tempos de padronização globalizante.

Sinto-me deslocado quando atravesso corredores repletos de etiquetas, OFF por cento alguma coisa e outros termos em inglês para me vender o que não preciso comprar. O calvário pré-filme. Este trajeto de corredores poloneses de tortura consumista ainda me faz pensar sobre o ato de ir ao cinema.

O Cine Roxy, com sua entrada em rampa, os cartazes enormes do lado direito e o pequeno café antes da escada e da bilheteria é o último moicano que me conta em silêncio sobre a época que cinema era um programa semanal. Hoje, compete com adversários desleais, dentro de minha casa, morando em meu computador. São a preguiça em forma de episódios.

Ir ao cinema, no Gonzaga, virou daqueles passeios de família, que acontecem de vez em quando, com roupa de missa. A vestimenta não é tão religiosa assim, mas a liturgia ainda está na alma. E, neste caso, não há shopping perto de casa, hoje no Embaré, que consiga derrubar meus dogmas. Eu o visito, eventualmente, mas me sinto cansado em saber que as luzes apenas se apagam e a tela branca se preenche depois de 20 minutos de trailers e publicidade.

Obs.: Texto publicado no site Juicy Santos, em 24 de novembro de 2015.


Comentários