Museu dos Escravos - São Vicente (Foto: Beth Soares) |
Marcus Vinicius Batista
Quando o músico e fotógrafo Cid Marcos Lima me convidou para visitar o Parque Ecológico Voturuá, em São Vicente, pensei no Museu dos Escravos (desde janeiro do ano passado, se chama Casa de Cultura Afro-brasileira, mas me permita usar o nome antigo, por afetividade). O lugar abrigou um dos mais simbólicos restaurantes da região, com culinária nacional, centrada nos alimentos da matriz africana e indígena.
Da última vez que estive lá, comi tutu de feijão, baião de dois, mandioca frita, fora o cheiro de feijoada que ocupava o ambiente. O restaurante ficava dentro de uma casa com telhado cru e paredes que remetem ao período colonial, com os batentes das janelas de madeira, com meia dúzia de centímetros de espessura.
Quando o músico e fotógrafo Cid Marcos Lima me convidou para visitar o Parque Ecológico Voturuá, em São Vicente, pensei no Museu dos Escravos (desde janeiro do ano passado, se chama Casa de Cultura Afro-brasileira, mas me permita usar o nome antigo, por afetividade). O lugar abrigou um dos mais simbólicos restaurantes da região, com culinária nacional, centrada nos alimentos da matriz africana e indígena.
Da última vez que estive lá, comi tutu de feijão, baião de dois, mandioca frita, fora o cheiro de feijoada que ocupava o ambiente. O restaurante ficava dentro de uma casa com telhado cru e paredes que remetem ao período colonial, com os batentes das janelas de madeira, com meia dúzia de centímetros de espessura.
Foto: Cid Marcos Lima |
Museu e restaurante eram o casamento ideal para preservação da cultura, numa cidade que sempre teve, ao longo dos séculos, dificuldades para conservar sua história. A primeira vila onde os políticos desfiam suas mentiras no slogan-falácia de "primeira cidade do Brasil", enquanto deixam o mato crescer no porto da naus ou inventam rotas fluviais que jamais saíram do papel.
Na primeira volta pelo Horto - também nome antigo do parque -, não tive tempo de me decepcionar com o museu fechado. Meu grupo queria rodar pelo lugar e fotografar o leão e as leoas, o hipopótamo Ramón, os macacos e as aves.
Na segunda volta, uma hora e meia depois, o museu estava aberto. Na porta, um senhor agradável recepcionava os visitantes. A dois metros dele, uma carranca o auxiliava a afastar os maus espíritos, afugentava o olho gordo que não para de piscar em tempo de eleição. A carranca reacendeu o desejo de ter uma parecida na porta de casa.
Sabia que o restaurante estava fechado. Tinha a curiosidade de rever o museu; na prática, seria como a primeira vez depois de uma década, inclusive pela renovação do acervo. Um canto simples, num imóvel histórico e belo, a evidência física de que São Vicente não precisa de megalomania para expor suas origens. Basta decência política.
O museu mantém hoje dezenas de esculturas de Geraldo Albertini, quase todas negras, na cor e na forma, para marcar as diversas facetas da escravidão, seja nos papéis sociais, seja nos ofícios cotidianos da Casa Grande e da lavoura.
Geraldo Albertini nasceu em Capivari, região de Campinas, em 1933. Morreu em São Vicente, quase na virada do século, aos 66 anos, em 1999. Começou a esculpir em meados da década de 50, quando trabalhava em usina de açúcar. Suas obras estão acompanhadas de trabalhos de dois aprendizes, Irineu Beck e Ademir dos Santos.
Na primeira volta pelo Horto - também nome antigo do parque -, não tive tempo de me decepcionar com o museu fechado. Meu grupo queria rodar pelo lugar e fotografar o leão e as leoas, o hipopótamo Ramón, os macacos e as aves.
Na segunda volta, uma hora e meia depois, o museu estava aberto. Na porta, um senhor agradável recepcionava os visitantes. A dois metros dele, uma carranca o auxiliava a afastar os maus espíritos, afugentava o olho gordo que não para de piscar em tempo de eleição. A carranca reacendeu o desejo de ter uma parecida na porta de casa.
Sabia que o restaurante estava fechado. Tinha a curiosidade de rever o museu; na prática, seria como a primeira vez depois de uma década, inclusive pela renovação do acervo. Um canto simples, num imóvel histórico e belo, a evidência física de que São Vicente não precisa de megalomania para expor suas origens. Basta decência política.
O museu mantém hoje dezenas de esculturas de Geraldo Albertini, quase todas negras, na cor e na forma, para marcar as diversas facetas da escravidão, seja nos papéis sociais, seja nos ofícios cotidianos da Casa Grande e da lavoura.
Geraldo Albertini nasceu em Capivari, região de Campinas, em 1933. Morreu em São Vicente, quase na virada do século, aos 66 anos, em 1999. Começou a esculpir em meados da década de 50, quando trabalhava em usina de açúcar. Suas obras estão acompanhadas de trabalhos de dois aprendizes, Irineu Beck e Ademir dos Santos.
Esculturas de Geraldo Albertini |
Geraldo, artista que o museu não permite esfarelar pelo tempo dos brancos, não viajou o mundo, mas suas esculturas o representaram em países como África do Sul, Alemanha, Argentina, Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra e Portugal.
No canto esquerdo, logo na entrada, um baú guardava uns 30 livros. É um projeto de troca de obras literárias e estímulo à leitura. Como livros têm poder magnético, revirei o baú. Na arqueologia de preciosidades, coloquei debaixo do braço "O Imaginário Cotidiano", do falecido médico gaúcho Moacyr Scliar.
Moacyr Scliar, falecido escritor gaúcho |
O livro reúne uma série de crônicas que Scliar escreveu para o jornal Folha de S.Paulo, sempre às segundas-feiras. As crônicas obedeciam uma regra única: tomar como base uma notícia curiosa.
De uns dias pra cá, devoro uma ou duas crônicas ao dia, em doses homeopáticas, geralmente antes de dormir. Para justificar à volta ao Museu dos Escravos, para realizar o sonho de ver o restaurante reaberto, prometo cumprir o acordo com o baú: retirou um livro, deposite outro.
Quem sabe o mesmo livro, a ser saboreado numa mesa, com os cheiros de uma feijoada ou de um baião de dois?
De uns dias pra cá, devoro uma ou duas crônicas ao dia, em doses homeopáticas, geralmente antes de dormir. Para justificar à volta ao Museu dos Escravos, para realizar o sonho de ver o restaurante reaberto, prometo cumprir o acordo com o baú: retirou um livro, deposite outro.
Quem sabe o mesmo livro, a ser saboreado numa mesa, com os cheiros de uma feijoada ou de um baião de dois?
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