O assalto e a pizza



Marcus Vinicius Batista

Era sábado à noite, ninguém queria ir para a cozinha - leia-se Dona Zuleica, minha mãe - e resolvemos ser convencionais. Pedir uma pizza significava o exercício coerente da preguiça, melhor do que a solenidade de sair de casa. Roupa de missa, carro, chance de lugar cheio e fila.

Em 1987, os motoboys ainda não haviam nascido. O cardápio não era mais do que as listas de pizza em promoção nos dias atuais. Mussarela, calabresa, portuguesa, frango com catupiry e milho e mais meia dúzia de variações. Pedir uma pizza era telefonar para o restaurante e ir até lá buscar a refeição objeto de desejo.

Meu pai telefonou para o Ritz, uma pizzaria que ficava na rua Bassim Nagib Trabulsi, tradicional de via de comércio da Ponta da Praia, em Santos. Nós morávamos ao lado, na rua Roberto Sandall; fácil, em 15 minutos alguém de casa passaria lá e retiraria duas pizzas: uma de mussarela, outra de calabresa. Como bebida, uma garrafa de um litro de Coca-Cola, na troca do vasilhame. Se motoboys não apareciam na cadeia alimentar, garrafa pet era ficção científica, meu amigo.

Eu estava acostumado a visitar a Trabulsi. Fazia supermercado, frequentava o açougue com o mantra "um quilo de carne moída, acém ou paleta, o que tiver melhor" para pendurar com a Fátima no caixa e pagar por semana. Testemunhei até os fiscais do Sarney, época de hiperinflação, boi no pasto e ágio na compra de vários produtos. Fecharam o Pão de Açúcar da Trabulsi em protesto contra os aumentos.

Não reclamei da missão, legislei em causa própria e peguei o dinheiro com meu pai, mais o vasilhame de Coca e fui ao Ritz. Hoje, a pizzaria virou um boteco com outro nome, frequentado por aposentados e moradores das redondezas.

Minha irmã, Catarina, era quatro anos mais nova do que eu. Aos nove, ela ajudava em casa com pequenas tarefas. Eu era o escolhido, sem plano B.

Desci a rua Roberto Sandall e virei na avenida Epitácio Pessoa. A pizzaria era o terceiro estabelecimento a partir da esquina com a avenida, depois de uma loja de roupas e a farmácia. Gostávamos daquela pizza, de preço bom e sabor daquelas de padaria, sem frescuras, massuda e jeitão caseiro.

Do outro lado da rua, em frente à farmácia, fica uma padaria, a Cristo Redentor. Ela já estava fechada e, quando passei por ali, vi dois rapazes sentados na porta. Eles conversavam e me encararam além do normal. Aquelas três, quatro olhadas, sabe? Deveriam ter uns cinco anos a mais do que eu. Não me disseram nada e eu segui até o Ritz.

As pizzas estavam prontas, bastou trocar o vasilhame vazio pelo cheio e, em dois minutos, fazia o caminho de volta. Não houve troco. O dinheiro foi contado. A mão esquerda carregava o refrigerante, enquanto a mão direita segurava a pizza de calabresa. A de mussarela, eu equilibrava em cima.

Passei de novo em frente à padaria, olhei os dois rapazes sem prestar atenção. Percebi que disseram algo, mas continuei andando. Uns dez metros à frente, no meio da quadra, antes de virar na minha rua, notei que caminhavam na mesma direção. Apertei o passo, sem perceber que não andavam mais. Corriam.

Veio um de cada lado. O da esquerda gritou e passou direto. Enquanto isso, o ladrão que veio pela direita fez força para levar as pizzas. Fiz força de volta e mantive o refrigerante e a de calabresa. A de mussarela, mal ajambrada no braço, ficou com o assaltante.

Quando me dei conta do susto, olhei para os dois, que corriam na calçada da outra quadra. 50 metros de distância, mal calculando. Um deles levava a pizza na vertical, debaixo do braço, como um disco de sonrisal (aquele de madeira, que se surfa na beira do mar).

Só me lembro de pensar: "Filho da puta, o queijo vai escorrer todo para a borda, vão comer massa com molho de tomate."

Pensei em voltar à pizzaria, comprar outra e manter o assunto em segredo, mas estava sem dinheiro. Não cogitei correr atrás dos sujeitos; primeiro porque estava sozinho e os ladrões eram maiores; depois, era melhor não arriscar perder a outra pizza e o refrigerante. Fora que eram dois moleques como eu, querendo livrar a noite.

Cheguei em casa em silêncio e logo me perguntaram sobre a outra pizza. Contei a história e disse que não voltaria mais lá naquele dia. Ouvi as brincadeiras esperadas, e todos percebemos que a fome não era tanta assim. Dois pedaços para cada um resolveriam a questão.

Fui assaltado mais duas vezes na vida, uma delas com arma de fogo, mas jamais revivi a perda de um gênero de tamanha necessidade; ao menos, no sábado à noite, para quem tinha 13 anos.


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