Os peregrinos buscam exceções (Conversas com Beth # 21)


Marcus Vinicius Batista

A novela se repete todos os meses. Em março, foram dois capítulos. Quando você estava internada, em junho do ano passado, os médicos haviam informado sobre todos os pontos de parada desta estrada de nome tratamento. Um ano e meio de viagem.

A quimioterapia duraria seis meses, mas tivemos em dezembro a melhor das notícias. A quinta sessão seria a última, a sexta estava cancelada pela reação positiva de seu organismo, e adiantaríamos a segunda fase do teu tratamento contra a lúpus, o quinto round em 15 anos.

A nova etapa implicaria no consumo diário de quatro comprimidos de micofenolato de sódio, que cheiram à borracha velha e reduzem ao mínimo sua imunidade, visando silenciar o lobo. Duas gripes em dois meses - uma com duração de dez dias e uma ida ao hospital e outra em andamento - são a prova de que a medicação combate o lobo com voracidade. E cobra seu preço.

O preço, aliás, representa o motivo da descrição desta saga. Cada caixa de micofenolato dura um mês. E custa R$ 2 mil. Sou testemunha do quanto você penou na Internet em pesquisas para conseguir o medicamento por caminhos mais baratos. A esperança nasceu com a queda para R$ 900, via importação dos Estados Unidos. Descobrimos, depois, que a importação era legalmente impossível para você.

Com a importação descartada, tentamos compra em sites de laboratórios que operam no Brasil. Nenhum deles tinha o remédio à venda. Procuramos cadastro para doação em um dos laboratórios e soubemos que só entidades assistenciais, depois de um volume de papelada, teriam direito ao medicamento.

Você saiu do mundo virtual e caminhamos juntos pela via da burocracia brasileira. Às vezes, confesso que fico contente quando você se esquece do SUS, que aprovou seu pedido em dois meses para informar, por meio de uma funcionária, que o processo de compra do medicamento leva vários meses. Estamos no quarto mês de gestação de expectativa.

A corrida se estendeu ao seu plano de saúde. Mais papelada, filas e espera. Recebemos o "não" do médico perito que não pediu documentos que provavam o tratamento. Apenas disse não sem ser especialista. E levou um mês para isso. Ele deve ter ficado com a consciência tranquila ao economizar dinheiro para os cofres públicos municipais.

Admiro sua perseverança e me sinto um aprendiz em te acompanhar. Os primeiros 15 dias de remédio foram resolvidos com uma doação do Hospital do Rim, em São Paulo. O mês de janeiro passou com uma caixa doada pelo médico Bruno Vieira, da Beneficência Portuguesa, em Santos.

Você passou fevereiro em racionamento porque tivemos que respeitar o recuo de uma ex-paciente, residente em Itanhaém. Ela prometeu nos doar uma caixa e, após dezenas de telefonemas não atendidos, disse que não poderia mais fazê-lo.

Você suportou a primeira quinzena de março com outra doação do Hospital do Rim e, em meados do mesmo mês, conseguimos no mesmo endereço comprimidos suficientes para a dose necessária de todos os dias. Mas sinto medo ao me lembrar que o estoque acaba em 28 de abril. Será a quarta viagem à São Paulo, com o tiro no escuro sobre o número de pílulas.

Faltam oito meses para o término do tratamento contra a lúpus, nesta atual crise. Comemoramos a redução pela metade da dose diária de prednisona, o temido corticóide. Ainda tem o ramipril, para os rins. E, eventualmente, a furosemida - diurético para reduzir o inchaço das pernas - e remédio para o estômago, abalado por todos os ítens do cardápio acima. Se são três medicamentos diferentes, não me esqueço que - em dezembro - eram o dobro.

Parte da peregrinação seria evitada se o próprio sistema de saúde - e muitos de seus profissionais e burocratas - soubessem lidar com a lúpus. No caso do SUS, a burocracia seria bem menor se você tivesse feito um transplante de rim. "Para transplante, o medicamento é fácil. Mas lúpus...", explicou certa vez uma funcionária.

Esta semana, quando a gripe te atacou novamente, fui à farmácia comprar remédio para dor de garganta. Expliquei à atendente que não precisava de uma pastilha qualquer. Precisava de uma pastilha mais forte porque sua imunidade estava baixa.

A farmacêutica ouviu a conversa e se aproximou. Repeti meu argumento e falei em lúpus. Ela me perguntou:

— Ela toma corticóide?

— Toma.

— Qual dosagem?

— 10 miligramas.

— Olha, eu recomendo esta pastilha que é também anti-inflamatório. O medicamento vai agir de forma localizada, apenas na garganta. Sem risco de efeito colateral.

No balcão, estavam duas caixas do medicamento, uma com quatro pastilhas e outra com 16. A farmacêutica olhou para elas e me disse:

— Não leve a de 16 pastilhas. Leve a caixa com quatro. Ela deve tomar a cada seis horas. É por um dia. Se houver pus ou a dor piorar, aí ela deve procurar um médico e tomar antibiótico. Não se preocupe com o corticóide, repito. A inflamação é localizada.

Sai impressionado com o preparo técnico da farmacêutica e de ter me oferecido o remédio mais barato. A caixa de pastilhas durou um dia. A gripe permaneceu, enquanto a dor de garganta foi embora, também com o auxílio da aplicação de moxa, tratamento alternativo de quentura em pontos do corpo. Sugestão de uma amiga terapeuta.

Nesses cinco meses de peregrinação, apenas lamento que somos dependentes das exceções. O problema é que nada vem escrito na testa ou no crachá daqueles que nos atendem.

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