Retrato em preto e branco



Lucas Musetti

Onze da noite de sexta-feira, 7 de agosto. Eu me preparava para levantar, dar sinal e descer no ponto mais próximo da minha casa, quando um jovem – negro, roupa suja e segurando um saco com poucas latinhas – entrou no ônibus pela porta do meio.

Eu e mais meia dúzia de passageiros seguramos firme o que tínhamos nas mãos. O “intruso” olhou em volta e correu para frente do carro, para perto do motorista. Apreensão. Ele pulou a catraca enquanto eu pensava em como evitá-lo. Foi quando a cena que não sai da minha mente aconteceu.

O motorista recebeu um abraço forte, como em um reencontro. “Boa, pai. Gosto de andar com o senhor, pois você não enrola. Dirige rapidinho”. Eu, surpreso, já me arrependia de ter julgado o rapaz pelo que vestia e segurava nas mãos. Naquele momento, eu já tinha perdido o local onde sempre desço. “Ah, filho. Eu quero chegar logo no ponto final. Mas, me conta, você tá bem? Onde vai descer?”.

Eu pensava no meu pai, me martirizava por cair no preconceito que eu achava lutar contra todos os dias. Olhava em volta e sentia não estar sozinho. Todos viraram espectadores. “Tô bem. Me deixa na pracinha, vou dormir lá. Ah, pai... eu juntei muitas latinhas hoje. Acho que vou conseguir comprar um presente pro senhor até domingo!”.

Eu chorava. Passei a pensar em possíveis motivos para separar os dois. Como deixar o filho dormir na rua? Mas será que não é a vontade dele? “Pôxa, filhão. Não se preocupa! Você sabe que não precisa. Passa lá em casa, já será um ótimo presente”.

Chegamos à pracinha. Eu desci junto. Só consegui desejar boa noite. Era realmente o pai dele ou uma figura paterna na vida difícil que leva? Faz diferença? O rapaz dormirá bem? Será que o pai conseguirá dormir bem sabendo que o filho está na rua? Não sei. Não sei nem o nome deles. Mas quero saber. Vou saber.

Por enquanto, como resposta para tantas perguntas ainda não respondidas, ficou a lição. A vontade de abraçar forte meu pai não passou, e espero que nunca passe. Agradecido por presenciar esta cena, eu pude comemorar o Dia dos Pais ao lado de quem me criou. E espero muito que o morador de rua tenha ido à casa do motorista-pai.

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