Aquele amargo Alô




Victória Ramalho*

A noite. Como a noite é poética, não? Canções, serenatas, lamentações, dissertações e debates, todos sobre ela ou sob seu olhar. Mística, de uma maneira melancólica, depressiva e romântica. Até o momento em que a noite se torna trágica. Violência irrefreável, vulnerabilidade premeditada como uma fagulha que se espalha nos toldos de um circo sem portões. Circo esse que queima seus palhaços, dançarinas e leões num mesmo espaço, numa mesma hora, sem pedir licença ou perdão. Aquele Alô ao corpo de bombeiros!

Como ela sobe, a noite também cai. Dura um minuto ou uma vida inteira. Traz o interessante e também o vulgar, e é incrível como também considera transformar um no outro. A visão maniqueísta me obriga a separar o bonzinho do malvado, mas quando tudo está escuro, as folhas viram ratos. Alô galera da dedetização!

Livre, leve e solta, a culpa vaga pelas ruas bem devagar, batendo à porta de uns e entrando pela janela de outros. Ela nem sempre é recebida cordialmente como hóspede durante a noite, mas tem residência fixa, com caixa postal e relógio de luz, no famoso dia seguinte. Alô Sabesp! Ela chorou a noite inteira e a gente ficou sem água...

Afloram também os desejos, as paixões e a raiva. Juntando os três, viram um combo matador. O silêncio é uma tela em branco, você pinta da maneira que quiser, só que a sua paleta só possui cores em tons de preto e vermelho. Pretos da escuridão, do asfalto, do céu, da cor das suas intenções. Vermelhos da paixão, do batom, do sinaleiro, da cor de sangue. Alô psicanalista! Não acho o azul nos lápis de cor!

Tragédia, violência, vulnerabilidade, álcool, ciúme, desejo, culpa, raiva, noite, rua, revólver, más intenções, sangue. Alô, dona Katya? Alô, dona Rosângela? Aqui é da polícia...

Obs.: Texto que nasceu do curso "Escrita Criativa", ministrado no Espaço Certo, em Santos.

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