Rugas e lembranças da velha senhora

Katya Regina

Envelhecer é carregar a bagagem da história e, ao mesmo tempo, se tornar menino em muitas realizações físicas não mais possíveis. Somos como as pedras da antiga cidade que, resilientes, perdem o viço. Não somos mais os mesmos, mas trazemos a memória presente em nossas marcas do tempo vivido.

Vejo em cada rosto a história estampada em rugas, umas doces, outras amargas, mas em todos muito sentimento no olhar. Lembro-me do brilho nos olhos azuis de minha vó, enquanto seu rosto com o tempo envelhecia. Achava fascinante o fato do olhar não seguir o mesmo ritmo de envelhecimento do corpo; ao contrário, a cada ternura alcançada, a cada alegria, recebia um brilho mais jovem e mais forte.

Itanhaém faz 483 anos, uma velha senhora com rugas nas rochas. O futuro te oprime, te apressa, mas suas pedras do passado ainda cantam pra trazer identidade ao teu nome, tua rotina é verbo e teu olhar ainda jovem e verde, uma resposta ao tempo.

Meninos do teu legado ainda brincam em tuas praias para encantar olhos de quem ainda sonha com dias menos duros, mais bem cuidados , noites mais tutelares.

A gaivota ao teu bairro dá nome, tua praia sonha, o oásis na terra batida sente o lamento dos teus filhos e tudo se mistura entre pedras e pessoas no satélite que capta teus sinais.

Itanhaém conhece nosso olhar. Sei que meus olhos não vão ficar mais verdes pelas tuas matas, mas a cada dia se tornam mais claros e mais limpos pelo desejo te ver melhor. Enxergar a vida em macro nos faz mais organizados, mais chatos talvez, mas com a certeza de que ter objetivos e trabalhar pra que eles aconteçam é o que nos torna mais fortes.

Envelhecemos juntos no balé de memória e espaço, somos teus filhos que afagam suas tradições e o sal da tua terra que empurra os tijolos opressores, dançando como marionetes da esperança que também envelheceu.

A cidade “é”, nós sentimos, na rebentação do mar a expressão do teu acontecer diário, minha vida rabiscada em tuas pedras não mais me pertence .

Itanhaém! Tu moras em mim...

Obs.: 1º texto a partir do curso "Como escrever crônicas, ministrado no Gabinete de Leitura, em Itanhaém/SP. 

Comentários

Antonio Taveira disse…
Parabéns Katia Regina pelo belo texto.
Unknown disse…
Muito obrigada Antonio Taveira.